J.R. Guzzo -
São os europeus que estão pagando, até agora, a maior parte da conta que o pensamento 'progressista' socou na humanidade em geral
Notícias sobre a morte da Europa vêm sendo publicadas há pelo menos uns 1,5 mil anos — ou, digamos, desde a queda do Império Romano. Sem dúvida, sempre houve certo exagero nisso tudo, levando-se em consideração que a Europa continua viva até hoje, nos mesmos graus de latitude e longitude, e os seus 750 milhões de habitantes nunca tiveram um padrão de vida tão alto quanto o que têm agora. Mas é certo, também, que os europeus estão vivendo uma experiência inédita na história da civilização humana. Depois de resolverem praticamente todos os seus problemas, parecem ter decidido se suicidar socialmente, da economia ao seu conjunto de convicções históricas — ou algo tão parecido com isso, mas tão parecido, que não dá para notar a diferença.
A Europa dos últimos 25 anos, por decisão de suas elites intelectuais, dos seus milionários e das castas de burocratas que governam o continente através de suas “Uniões Europeias” e outros comissariados transnacionais, tomou uma decisão sem precedentes em sua existência. Resolveu, alegando as novas exigências políticas, sociais, éticas e científicas que teriam surgido no “mundo contemporâneo”, que só poderia sobreviver se parasse de se desenvolver — na economia, na sua capacidade inventiva, na tecnologia, na criatividade individual e na produção. O resultado é que começou a andar para trás. Como preveem as teorias gerais da evolução, o que não se transforma não fica no mesmo lugar: desaparece.
Que tal começar pelos números? No início do século, as economias dos Estados Unidos e da Europa tinham mais ou menos o mesmo tamanho. Hoje, como lembrou o jornalista alemão Ole Lehmann numa exposição recente, o PIB americano passou dos US$ 25 trilhões — ou seja, 50% a mais que o da Europa. Nesse período, os Estados Unidos criaram, sem intervenção nenhuma de governo e de “investimento público”, nove empresas com valor de US$ 1 trilhão ou mais. A Europa não criou nenhuma. O salário médio para um executivo americano de tecnologia começa em US$ 350 mil por ano — 50% a mais que na Europa, o que torna a carreira para os jovens talentos europeus um beco cuja única saída está na imigração para o mercado de trabalho americano.
Os Estados Unidos criam, e criam cada vez mais rápido, avanços decisivos em inteligência artificial, tecnologia de informação de ponta e comunicações espaciais de última geração. Os governos europeus escrevem, e escrevem cada vez mais, leis para regulamentar a IA, a TI e os satélites. Ficam cheios de regras — e sem nenhum controle sobre os frutos do progresso tecnológico. O mindset, como se diz hoje, vai naturalmente para o saco. Em Berlim, recentemente, uma fábrica estado da arte da Tesla foi acusada pelas elites locais de impor “colonialismo tecnológico” à Alemanha — fizeram tanto barulho que o projeto quase gorou. Empreendedores, em toda a Europa, são descritos e denunciados como “parasitas capitalistas”.
Há uma torcida intensa pelo fracasso.
Dificuldades nos negócios são tidas como punição social. O objetivo das empresas, na visão do trabalhador, é unicamente tirar-lhe sangue, suor e lágrimas. O excesso de leis trabalhistas, a escassez das horas de trabalho e o mandamento religioso de que o maior inimigo do cidadão é a empresa tornam a demissão de empregados uma aventura exorbitante — e a contratação mais ainda. Quem se anima a contratar se está ameaçado de não poder demitir? Para os autocratas que reinam na administração pública, empresas privadas são, basicamente, um mal necessário, a ser combatido com impostos punitivos. É um sistema concebido para destruir riqueza, como resume Lehmann. Os talentos se vão, o investimento é evitado, a inovação morre, a economia não se mexe e o governo, para reagir, baixa mais leis — e começa tudo de novo.
Essa situação de ponto morto contínuo é consequência de décadas a fio de semeadura e colheita de ideias destrutivas. A mãe de todas elas, que ganhou força de pandemia na virada do século, é a teologia geral da “desconstrução”. Nascida de pais incertos nas universidades mais caras do Primeiro Mundo, ela se transmitiu para as elites culturais, os galhos mais altos da burocracia estatal e as suítes dos presidentes e de outros mandarins de empresas multinacionais — ou, de um modo geral, a tudo que se associa à imagem de “formadores de opinião”. Nunca produziu um átomo de conhecimento real, ou alguma inovação útil para a civilização humana. Em vez disso, concentrou-se em destruir, negar e criminalizar todos os valores racionais do pensamento ocidental.
A própria palavra “ocidental”, só ela, passou a ser um pecado mortal para quem defende, ou diz defender, essa maneira de ver o mundo. Trata-se do conjunto de ideias, princípios e fundamentos que formam a estrutura da sociedade tal como nós a conhecemos — uma organização humana com raízes na lógica clássica da filosofia grega, na civilização europeia, na religião e na ética judaico-cristãs e na ideia inegociável da liberdade individual. É o respeito à autodeterminação do ser humano, aos direitos naturais que recebe ao nascer e ao primado da lei aprovada pela maioria. É o exercício permanente da autocrítica e em função disso a abertura para as mudanças. É a liberdade de investigar, de pensar e de acreditar. É o direito de se defender dos governos.
“consciência woke”, nega tudo isso. Sua força motriz é a aplicação do ódio, e não da razão, como instrumento ideológico — ódio ao indivíduo, à existência de classes determinadas pelos méritos pessoais, à família como célula mais potente da sociedade, à liberdade de religião (salvo para o islamismo, que não admite nenhuma outra fé), ao direito de produzir, de inventar e de enriquecer. Da mesma forma, é o ódio à noção de pátria, ou de “lar”. Como diz o filósofo britânico A. Gibson, a “desconstrução” é um exercício de repúdio ao legado cultural de cada um. “É uma ofensiva consolidada e de largo alcance contra a herança histórica, teológica, literária, legal e social que forma o Ocidente moderno”, diz ele.
A Europa tem sido a principal prejudicada por essa filosofia de destruição. Ela tem sido ativa nas bolhas mais neuróticas dos Estados Unidos, a começar pela mídia, por bilionários diletantes em política e pelas colônias de artistas e conexos. Mas acaba de ser devastada, na vida real, pela vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana, com consequências que devem ter impacto pelo mundo afora. Na Ásia, e para os seus 4,5 bilhões de habitantes, a “desconstrução” não existe — estão mais preocupados, por lá, com a construção, e o planeta inteiro tem visto os resultados disso. No Brasil, vivendo como sempre na pré-história, ainda estamos na fase de roubar o cofre; o que interessa mesmo, aqui, é uma boa Lei Rouanet, os irmãos Batista, ou esses Liras e Pachecos que podem ser encontrados a cada esquina. Sobra a Europa, coitada.
São os europeus que estão pagando, até agora, a maior parte da conta que o pensamento “progressista” socou na humanidade em geral. Pagam, por exemplo, pela prodigiosa ideia de que a agricultura, ou a produção em massa de alimentos, é um dos principais problemas do mundo de hoje. É a mesma coisa com o paradoxo mental segundo o qual o ser humano tem de consumir menos energia e, por consequência, tem de produzir menos. Não apenas tem de produzir menos energia, sobretudo de origem “fóssil” — tem de reduzir a produção de tudo e, de preferência, eliminar indústrias inteiras, como as do automóvel, dos plásticos ou dos fertilizantes agrícolas. O homem não é mais a medida de todas as coisas. O sujeito da frase, agora, está nos vegetais, nos bichos e nas pedras
Criminaliza-se, cada vez mais, a exploração dos recursos naturais da Terra. Bilhões de dólares, e logo serão trilhões, são consumidos no “combate às mudanças do clima” — como se os governos, e o Zé Chiclete que está na fila do ônibus, tivessem a capacidade de evitar uma nova Era do Gelo no “planeta”, ou alguma desgraça qualquer dos tempos em que o homem não produzia uma única arruela de encosto. Tornou-se ilegal dizer que o ser humano se apresenta em dois gêneros, o masculino ou o feminino. É “fascismo” observar que fronteira aberta não é fronteira, ou que as nações têm o direito de recusar a entrada de imigrantes ilegais em seu território. Ser católico praticante, ou ir ao culto evangélico, é ofender a cultura islâmica.
Seria impossível sustentar a sério isso tudo, e coisas que fazem ainda menos nexo, sem causar desconforto cada vez maior nas sociedades onde os governos se deixaram pautar por um nível tão precário de debates. Nos Estados Unidos já houve uma resposta, como dito acima. A Europa, que mais sofre com as prioridades irracionais, pode estar dando sinais de cansaço. A Itália, entre os países-chave da Comunidade Europeia, já tem um governo que trafega no contrário da corrente destrutiva, e as eleições na França, há poucos meses, deram um choque no mundo woke. A Alemanha é a próxima da lista — e aí já é coisa de cachorro grande, porque se a Alemanha muda a Europa inteira balança.
Já agora em fevereiro, no primeiro grande embate político de 2025, a Alemanha vai ter eleições gerais, pois o atual governo pediu as contas — e a direita, com o apoio de Trump e de Elon Musk, tem chances efetivas de ganhar. Talvez nenhum país da Europa tenha sentido tanto quanto a Alemanha a doença woke. Nenhum povo do mundo, salvo o caso idêntico do Japão, teve tanta competência para se reconstruir como o povo alemão — em 15 anos saiu da ruína absoluta para a posição de potência mundial, coisa que o Brasil não consegue desde 1500. Mas as suas recentes experiências de “ressignificação” política, social e econômica foram um fracasso completo de crítica e sobretudo de público. Vão mal, ao mesmo tempo, a economia, a sociedade e a confiança.
Falar de problemas da Alemanha num país como o Brasil, onde o sujeito não consegue atravessar uma ponte de rio sem correr risco de vida, sempre soa esquisito, sobretudo para quem escreve. Mas a Alemanha é a Alemanha — a régua lá é muito mais em cima, e fracasso, por mais relativo que seja, é algo de que alemão não ouve falar há 80 anos, desde que a guerra acabou, em 1945. Para os critérios alemães, o país está vivendo uma intolerável desindustrialização. As marcas alemãs — Mercedes-Benz, Porsche, BMW — não estão mais, pela primeira vez na história, no topo indiscutível da qualidade mundial na fabricação de automóveis. A última empresa líder em tecnologia é a SAP, fundada em 1972. Pela primeira vez em seus 90 anos de vida, a Volkswagen planeja fechar fábricas na Alemanha.
Os alemães estão pagando preços exorbitantes pela energia, fruto de uma política energética suicida por parte do governo — agravada pelo corte do gás que recebia da Rússia. Siderúrgicas que foram símbolo da potência industrial alemã, como a Thyssen, operam no vermelho. Há falta de trabalhadores qualificados e excesso de imigrantes ineptos. O país não conseguiu aproveitar o mercado interno da China — vão para lá pouco mais de 5% das suas exportações. O custo da burocracia europeia para a Alemanha é próximo aos US$ 150 bilhões por ano — o equivalente a quase metade de todas as exportações do Brasil. A infraestrutura, que já foi a mais perfeita do mundo, dá sinais de desgaste.
Com esse quadro, e o progressivo esgotamento da paciência dos alemães com posturas ideológicas que não fazem sentido, não há muitas razões para votar pela continuidade do governo “progressista” que levou a Alemanha à situação na qual se encontra. O povo vai dizer em menos de dois meses o que acha disso tudo — e a esquerda mundial, obviamente, já está em crise de nervos com a “ameaça à democracia” na Europa, principalmente quando se considera que lá não existe TSE, nem urnas de perfeição sobrenatural, nem escrutínio secreto dos votos. Vontade da maioria, nessas condições, é um perigo.
J.R. Guzzo, Revista Oeste
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