Jornalista Andrade Junior

sábado, 12 de abril de 2025

'Sieg Moraes', por Tiago Pavinatto - Quando atribui ao inimigo (Musk, Bolsonaro, patriotas etc.) a mera aparência de um nazista, Moraes, na verdade, pretende esconder a sua própria estética essencial em tentar fazer parecer lutar contra ela.

 Nunca é demais relembrar o óbvio: o verdadeiro Mal nunca se apresenta como tal; anuncia-se, sempre, como Bem ou qualquer coisa que o valha

Tiago Pavinatto - Revista Oeste


“S e Goebbels estivesse vivo e com acesso ao X, nós estaríamos condenados. […] Os nazistas teriam conquistado o mundo”, asseverou Alexandre de Moraes, entre um flash e outro, ao seu entrevistador de extrema esquerda e, de igual forma, nada simpático a Elon Musk, dono da plataforma X. 

Nos idos de 1990, o advogado norte-americano Mike Godwin sustentou o seguinte enunciado: “À medida que uma discussão aumenta, é inafastável a probabilidade de surgir uma comparação a Hitler ou ao nazismo. Na dialética, é comum considerar como perdedor da discussão o sujeito que lançou mão dessa comparação”.

Tal enunciado pode até conter algum valor, mas a conclusão dos contendedores dialéticos não mais se sustenta em tempos de fascismos travestidos. Menos ainda quando o império do Estado Democrático de Direito dá lugar àquilo que chamo de Direito Telúrico. 

O Direito Telúrico é um não-direito travestido de Direito paralelo ao Direito do Estado. Fundamenta-se no pré-conceito do cidadão medíocre para a aplicação das normas do Direito do Estado, as quais, embora reconhecidas em existência e validade, sob o solipsismo dissimulador da convicção medieval de vingança como justiça, passam a gozar de relativa eficácia e, assim, podem ser descartadas e, mesmo em prejuízo dos próprios direitos e garantias fundamentais, substituídas pela regra telúrica imposta como solução mais justa para cada caso concreto.

Coisa de cangaceiro, ditador, dono de boca… Não é só o cidadão imbecil comum que opera o Direito Telúrico; no Brasil, ele tem adeptos togados, desde as primeiras instâncias até a suprema. 

O destino do STF é ‘recivilizar’ o Brasil 

Esse destino foi afirmado por seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso, em entrevista ao jornal Valor, do Grupo Globo. A “total recivilização do país”, disse o sumo magistrado em 30 de setembro de 2024, deve ser alcançada com “os julgamentos sobre o 8 de janeiro”. O fardo desse juiz branco foi reafirmado em 14 de novembro do mesmo ano: “Precisamos fazer o caminho de volta à civilidade”, disse em sessão plenária do Tribunal.

Nenhuma novidade, uma vez que o “choque de civilidade” fora promessa feita, em digressão improvisada no decurso da leitura de seu discurso, na solenidade levada a cabo no primeiro aniversário da insurreição de 8 de janeiro de 2023. 

O evento de 8 de janeiro de 2024 foi batizado como “Dia da Infâmia”… Qualquer semelhança com o “Dia de Potsdam” não é mera coincidência. 

No dia 20 de março de 1933, inclinado a negar, como terror, as práticas dos nazistas, imprimindo o rótulo de terroristas aos verdadeiros inimigos do povo alemão — isto é, qualquer pessoa incompatível com os desígnios daqueles que, legitimamente, administravam as instituições nacionais —, o ministro da Propaganda e Informação do Povo, Joseph Goebbels, realizou um evento espetacular que inventara para a reabertura do Reichstag, cujo incêndio, no final do mês anterior, jamais fora propriamente investigado: “O Dia de Potsdam”. 

Ian Kershaw, talvez o mais brilhante biógrafo do nosso tempo, demonstra que a solenidade logrou êxito em promover um “completo distanciamento das bestialidades sórdidas” promovidas contra os inimigos do nacional-socialismo: o nazismo “punha aqui suas melhores roupas e proclamava sua união” (KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 312). 

A histórica abertura do Reichstag, em frente à Igreja da Guarnição, em Potsdam. O chanceler do Reich, Adolf Hitler, à frente do governo do Reich, ao lado dele o vice-chanceler von Papen, atrás dele o ministro Goebbels inspeciona a guarda de honra do Reichswehr (21/3/1933) | Foto: Wikimedia Commons

Curiosamente, “O Dia de Potsdam” representaria o triunfo inicial do novo Reich. O evento manteve Hitler à distância das demonstrações de terror e no centro de outro evento espetacular de propaganda.

À incontrolada e sempre impune violência desencadeada pelos bandos nazistas contra adversários e judeus, bastou institucionalizar SA, SS e Stahlhelm como “polícia auxiliar” legitimada diante do alegado aumento da violência dos opositores extremistas. Por essa mesma narrativa, comícios e manifestações deveriam ser reprimidos em qualquer canto dos Estados sob controle nazista, bem como proibidos os seus jornais e, indiscriminadamente, observadas as restrições impostas ao noticiário de outros jornais. 

Em resumo, os nazistas “amordaçaram a imprensa, mesmo quando as proibições eram contestadas com sucesso nos tribunais” inferiores, de maneira que, silenciada sobre “essa primeira orgia de violência estatal, Hitler fez o papel de moderado. Sua capacidade de dissimular era indescritível” (Ibidem, p. 305).

Contrariando a fantasia institucionalmente divulgada, inexistiu, de fato, qualquer necessidade de defesa contra “atos de violência que põem o Estado em risco”. Todavia, demonstra o historiador inglês, “apesar da aparência de legalidade, a usurpação do poder dos Estados pelo Reich era uma clara violação da Constituição. A força e a pressão das próprias organizações nazistas — uma cartada de chantagem política — foram as únicas responsáveis por criar a ‘agitação’ que provocou a alegada restauração da ‘ordem’. […]. Os únicos atos desse tipo eram os dos próprios nazistas” (Ibidem, p. 311). 


“As massas em geral são cegas e estúpidas e não sabem o que estão fazendo”, dissera Hitler a Goebbels, que, diante do desafio primacial de oferecer às massas “um programa que seja inalterável, uma fé política que seja inabalável”, promoveu um “renascimento nacional por meio do antimarxismo terrorista baseado na manipulação cínica e doutrinação das massas” (Ibidem, p. 212).


O professor Kershaw fala do mesmo ministro Goebbels invocado pelo ministro Moraes. Contudo, o ministro Moraes parece não compreender o ministro Goebbels da mesma forma que o professor Kershaw.

Voltemos à Praça dos Três Poderes. 


Anunciado o desafio de promover o renascimento da civilização no Brasil (desafio assumido reiteradamente pelo chefe do STF), é impossível não lembrar o desafio de promover o renascimento nacional de Goebbels. A coisa toda beira o idêntico quando, no lugar do antimarxismo extremista, Barroso também promove às massas o antibolsonarismo extremista… afinal, em alto e bom som, assumira o presidente do Pretório Excelso brasileiro, no dia 12 de julho de 2023: “Nós derrotamos o bolsonarismo”.




Atribuindo-se a si mesmos o papel de salvadores da pátria, Barroso e Moraes et caterva poderiam render-se autoelogios e se apresentarem como “as forças melhores que afloram à superfície para tirar o poder das mãos do perverso corruptor”; e, por mais inéditas e contestáveis que sejam as suas medidas, forças “que reconhecem uma questão de curvar ou quebrar”.




Acreditava tanto em tais forças, que Hitler assim as descreveu em Mein Kampf — e, nos dizeres de Eric Voegelin, apesar de Mein Kampf ser, “por assim dizer, um monte de lixo” (Hitler e os Alemães. É Realizações, 2008, p. 187), não podemos nos descuidar para o fenômeno popular desse tipo de discurso salvacionista. 

No interessante livro Tu Carregas Meu Nome: A Herança dos Filhos de Nazistas Notórios (Record, 2004), os jornalistas Norbert e Stephan Lebert trazem elementos suficientes para demonstrar que o fantasma do nazismo sempre assombrará uma sociedade na qual as pessoas tendem a valorizar mais a questão da mera aparência. 


Quando atribui ao inimigo (Musk, Bolsonaro, patriotas etc.) a mera aparência de um nazista, Moraes, na verdade, pretende esconder a sua própria estética essencial em tentar fazer parecer lutar contra ela.


Na esteira da lição do nosso maior constitucionalista vivo, o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “juristocracia e democracia são regimes inconciliáveis”. Diferentemente de um democrata, como ensina o professor Manoel Gonçalves, o juristocrata é um “Savonarola ou Torquemada que vê armas subversivas até em batons femininos” (“Jusristocracia não é democracia”, Conjur., 7 abr. 2025). 


Nunca é demais relembrar o óbvio: o verdadeiro Mal nunca se apresenta como tal; anuncia-se, sempre, como Bem ou qualquer coisa que o valha. Logo, o juristocrata que se anuncia democrata será, necessariamente, um mentiroso; será, provavelmente, o avesso do que diz ser; será, essencialmente, aquilo de que acusa seus opositores.



Tiago Pavinatto - Revista Oeste

















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