Ubiratan Jorge Iorio
É mais fácil recolher uvas de oliveiras do que um solitário acerto no atual governo brasileiro.
Bem que a parte imunda e moribunda da imprensa se empenha para colher uvas em oliveiras no esforço hercúleo de encontrar qualquer ponto positivo no governo, mas o insucesso de suas tentativas apenas vai deixando cada vez mais visíveis a parcialidade, a rejeição a fatos e a adesão a narrativas, desnudando a sua renúncia à missão de informar. A verdade é que é mais fácil recolher uvas de oliveiras do que um solitário acerto no atual governo brasileiro e que, quando se trata de política econômica, é ainda mais fácil extrair não só uvas, mas também mangas de oliveiras. A bem dizer, é literalmente impossível achar no “governo do amor” qualquer coisa móvel, imóvel ou semovente que se possa chamar de política econômica. A bagunça é impressionante; e a incompetência, gritante.
O noticiário econômico chega a ser tragicômico. Vou me ater apenas a duas — dentre dezenas de outras — manifestações recentes de dois integrantes da superpopulação de ministros que batem cabeças na Esplanada, enquanto o seu chefe passeia pelo mundo com a mulher e comitivas numerosas, torrando sem pudor o nosso dinheiro. A primeira foi a declaração do ministro do Trabalho e Emprego defendendo a regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativos, e a segunda foi do titular da pasta das Comunicações anunciando a criação de um grupo de trabalho para regulamentar o serviço de entregas de e-commerce no Brasil, alegando que isso fortalecerá os Correios e permitirá à empresa atuar em “pé de igualdade” com as concorrentes privadas, informando ainda que, para fortalecer a estatal, o governo federal destinará R$ 856 milhões em investimentos no bojo do Novo PAC. É dar azo demais ao atraso.
O ministro do Trabalho e Emprego é do PDT, um partido que, dentro do próprio socialismo, pode ser considerado pré-histórico, que ainda vive na fase anterior à Escola de Frankfurt, em uma época em que os autoproclamados “revolucionários” seguiam ao pé da letra o profeta Marx e acreditavam piamente que o grande “conflito dialético” que geraria a libertação da humanidade da opressão se dava entre capitalistas e operários. O mundo mudou, mudaram as categorias de “exploradores” e “explorados”, mas, segundo essa mentalidade tacanha, o que importa é a “carteira assinada”, mesmo que, para contemplar poucos com essa dádiva garantidora da felicidade, seja inevitável que empresas fechem as portas e muitos percam o emprego. Já para o ministro das Comunicações, é necessário proteger a qualquer custo uma estatal que já deveria ter sido privatizada há muito tempo e que tem em seu prontuário um escândalo de corrupção do porte do “Mensalão”. Sinceramente, essas duas propostas comprovam que é possível estar mais atrasado do que o próprio atraso. E olhem que estou deixando de citar dezenas de outras.
Proibir o Real Madrid e o Barcelona de colocarem os seus craques em campo seria uma resolução justa para eliminar as “desigualdades” no campeonato espanhol? É justo você ser punido pela própria eficiência, comparativamente à ineficiência de um concorrente? É moralmente aceitável proteger empresas que não atendem satisfatoriamente aos seus clientes, impondo regras e mais regras sobre as concorrentes, a fim de torná-las menos eficientes e, assim, nivelar todas por baixo? Aumentar os custos de produção das concorrentes por acaso é solução para salvar uma empresa pesada, ineficiente e politizada? E mais, é mesmo preciso existir uma companhia estatal para fazer entregas de cartas e encomendas? E por que cargas d’água o Estado tem que se intrometer quando uma empresa oferece alguém voluntariamente para entregar comida em nossa casa, ou um motorista para nos levar a algum lugar? É bastante evidente que, além do divórcio com a realidade dos fatos e do viés ideológico, o que move propostas como as mencionadas são o apetite sindical e a voracidade fiscal e que, como de hábito, o grande prejudicado pelo seu populismo barato é o consumidor. A mão que aparentemente afaga os “desprotegidos” é a mesma que provoca o seu desemprego e esbofeteia todos os cidadãos.
Quando quisermos saber se determinado projeto do governo é bom, basta fazermos uma pergunta: ele beneficiará ou prejudicará os consumidores? Se beneficiar, é bom; se prejudicar, é mau. Simples assim. Por isso, os estímulos à competição são tão importantes. Quando me refiro à competição, não estou falando de “concorrência perfeita”, porque o que importa não é o número de empresas no mercado, mas, sim, se existe ou não disputa sadia entre elas e a ausência de barreiras legais à entrada e à saída. É bom ter em mente que pode existir competição em mercados com muitas ou com poucas empresas, até em oligopólios ou mesmo em monopólios, desde que obtidos pelo mérito da eficiência, e não por leis e regulamentações, e sempre na presença de competição potencial.
Se você quiser comprar um tênis e entrar em uma sapataria em um shopping qualquer, com certeza vai ficar um bom tempo escolhendo, tamanha a variedade e diversidade de modelos com que vai se deparar. Mas se outra pessoa, com a sua idade e exatamente os mesmos gostos (se é que isso é possível), quiser também comprar um tênis, mas viver em Cuba, ela vai se deparar com um único modelo, provavelmente feio e mal-acabado e, se estiver mesmo precisando de um tênis novo, vai ter que comprá-lo, não importa se tiver ou não gostado dele, desde que, obviamente, a loja disponha do número que calça em estoque, o que não costuma acontecer com frequência nos países que o atual presidente do Brasil e seus devotados bajuladores tanto admiram.
Qual dos dois tem maior satisfação e liberdade de escolha, você ou o consumidor cubano? Esse exemplo simples corresponde exatamente ao que acontece no mundo real, ilustra com perfeição as vantagens da competição e não vale apenas para tênis, mas para qualquer outro bem ou serviço. Onde existe competição, onde diferentes empresas têm que caprichar para ver quem agrada mais ao público, seja pela qualidade, pelo preço, seja por ambos, quem sai sempre ganhando são os consumidores e, logicamente, as empresas exitosas. A isso se costuma chamar de soberania do consumidor, que é uma das características principais das economias de mercado, em que vigora a liberdade para empreender e produzir, sem as amarras de governos supostamente bondosos.
A soberania do consumidor é um atributo exclusivo da economia de mercado. Se não existe economia de mercado, isto é, se o governo tem o hábito de interferir permanentemente na economia, quem sai sempre perdendo é o consumidor, que se vê, como o pobre cubano, limitado em suas escolhas. É claro que é difícil encontrar uma economia verdadeiramente de livre mercado no mundo, porque as intervenções e coerções dos governos são contínuas e implacáveis. O que existe são países em que essa interferência é mais comedida e outros em que é desenfreada, como é o caso do atual governo brasileiro.
Os políticos populistas, socialistas, comunistas, trabalhistas e afins recusam-se a reconhecer que o livre-comércio é uma bênção. Alguns até podem reconhecer, mas para obterem votos precisam criar e estimular conflitos onde não existem, colocando-se sempre do lado dos supostos “explorados”. Em uma economia de mercado, qualquer indivíduo que acumula lucros privados o faz unicamente porque serve satisfatoriamente aos outros seres humanos, e isso é inevitavelmente revelado a todos, o que naturalmente atrai competidores, beneficiando mais ainda os compradores.
Qualquer medida que reduza ou impeça a competição tende a prejudicar os consumidores e, consequentemente, a prejudicar a economia do país, e isso não é uma simples hipótese ou postulado, mas um teorema demonstrado permanentemente.
Tudo o que os consumidores sempre desejam é ter acesso a produtos de qualidade e com bons preços. Quando uma empresa pioneira consegue realizar essa façanha, o sucesso é garantido, e logo surgem novas empresas oferecendo o mesmo produto nas mesmas condições, ou até mesmo em condições melhores, o que significa que os consumidores vão ficar mais satisfeitos do que antes, uma vez que o seu leque de escolhas terá crescido. Já a primeira empresa, que conseguiu vantagens por ser a que chegou antes, vai estar agora ameaçada, pois vai ter que enfrentar outras que estão copiando o seu sucesso e, provavelmente, aperfeiçoando a sua ideia original, desde que o governo não coloque obstáculos à sua abertura. Com isso, a empresa pioneira vai ser forçada a encontrar inovações para aumentar a satisfação do consumidor e manter os seus lucros. A competição, portanto, é sempre benéfica para os consumidores, ao mesmo tempo que obriga os produtores a um permanente esforço para melhor atenderem os seus clientes.
É assim que as coisas funcionam em um mercado livre: ser bem-sucedido significa fornecer bens e serviços bons e baratos para seus clientes (essa é a chave para a lucratividade) e, como consequência, revelar para todos os concorrentes o método que o tornou bem-sucedido (ou que resultou em seu fracasso).
Qualquer medida que reduza ou impeça a competição, portanto, tende a prejudicar os consumidores e, consequentemente, a prejudicar a economia do país, e isso não é uma simples hipótese ou postulado, mas um teorema demonstrado permanentemente, há séculos, pela prática, e que é válido também no plano internacional, em que um dos maiores obstáculos à competição e, por conseguinte, à soberania do consumidor, é o protecionismo que, sob o argumento de que “é preciso proteger a produção nacional”, arruína, explora e impõe severas perdas tanto aos consumidores estrangeiros como, principalmente, aos nacionais. Quem ganha com o protecionismo não é a economia do país; pelo contrário, ela perde em termos de eficiência empresarial e satisfação dos consumidores. Quem ganha são alguns empresários privilegiados, geralmente amigos dos políticos que estão no poder, incompetentes e sem aptidão para competir, que com certeza não conseguem se manter em atividade quando o mercado é livre.
O papel da competição, então, é múltiplo. Primeiro, ela revela, mediante o processo de permanentes descobertas que caracteriza o mercado, quais atividades e quais produtos o consumidor prefere; segundo, ela elimina as empresas que não forem eficientes no sentido de atender bem os consumidores; terceiro, ela é moralmente superior aos mercados em que vigora o protecionismo (interno e internacional), porque, contrariamente ao que acontece nesses mercados, ela premia o mérito, a capacidade de atender bem o consumidor; e quarto, obviamente, ela beneficia os compradores, contrariamente ao que muitos pensam.
Muitas pessoas se dizem contrárias ao livre mercado, mas se você fizer algumas poucas perguntas a elas verá que não entendem como funciona uma economia de mercado e que apenas repetem o que ouviram de outras pessoas também sem fundamentação. O governo do PT, como é sabido, odeia o mercado, embora o próprio presidente do país nem saiba o que vem a ser esse bicho malvado.
As propostas de regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativos e os serviços de entregas de e-commerce levam-nos à situação bem-humorada descrita pelo economista francês Frédéric Bastiat (1801-1850) no famoso artigo “A petição dos fabricantes de velas”, em que os produtores de velas, candeias, lâmpadas, candelabros, lanternas, corta pavios, os apagadores de velas, os fabricantes de sebo, óleo, resina, álcool e em geral de tudo relativo à iluminação redigem uma petição à Câmara dos Deputados, pedindo uma lei que ordene o fechamento de todas as janelas, claraboias, frestas, gelosias, portadas, cortinas, persianas, postigos e olhos de boi, porque não querem a concorrência de um competidor temível: o sol…
*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.
publicadaemhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/um-governo-tragicomico/