por Ubiratan Jorge Iorio
Uma sociedade de indivíduos livres e virtuosos deve sustentar-se em princípios que lhe garantam sua própria essência e que estimulem a prática das virtudes e dos méritos individuais
Em encontro recente com Biden, o atual presidente do Brasil sugeriu que os dois governos avancem na agenda em direção a uma governança global. Para surpresa de ninguém, haja vista que até as girafas e os tigres da Amazônia — mesmo sem existirem — sabem que a sua chapa nas eleições de 2022 teve forte apoio das duas grandes tribos globalistas, a dos bilionários pretensiosos de Davos, que desejam entabocar a “nova ordem mundial” em 8 bilhões de pessoas, e a dos camaradas do Partido Comunista Chinês, todos com o único fito de conquistar o poder total sobre os terráqueos.
Sim, esse é o objetivo, tanto dos gênios do mal do Fórum Econômico Mundial, que perceberam há algum tempo que o seu ideal totalitário pode ser atingido pela força do dinheiro e da tecnologia, quanto dos comunistas, que sempre tiveram aspirações internacionais. Esses dois grupos, malgrado suas heterogeneidades, conseguiram identificar e aglutinar interesses comuns de diversos segmentos, formando batalhões de idiotas úteis e militantes azucrinantes.
Formam uma fauna bastante variada e extremamente articulada: plutocráticos das big techs, fanáticos do clima, sorumbáticos do protocolo ESG, dogmáticos de Marx, burocráticos da ONU, numismáticos dos mercados financeiros, idiossincráticos das etnias, policromáticos da identidade de gênero, midiáticos da diversidade cultural, selváticos protetores de “povos originários” e vários outros lunáticos, todos manipulados com facilidade, seja a peso de ouro, comprando ou anulando quem possa representar algum obstáculo, seja inflando ideologia por meio da guerra cultural, em que exercem um domínio praticamente monopolista dos meios de comunicação.
A rigor, a ideia de um governo mundial não é nova, se considerarmos que no mundo antigo os impérios — então construídos pelos exércitos — tinham em mente, no limite, dominar o mundo, assim como, no século passado, não era outro o objetivo dos nazistas, bem como o dos comunistas. O que mudou não foram os fins, mas os meios. E é preciso frisar que esses fins sempre foram e continuam sendo incompatíveis com a própria natureza humana, não passam de uma utopia totalitária, inaceitável em todo e qualquer sentido. Há poucos dias, talvez para a surpresa dos pretensos sábios de Davos, Elon Musk chegou a afirmar com razão que a implantação de um governo mundial aniquilaria a civilização. É lamentável que o novo governo do Brasil compactue com esse projeto, que, a pretexto de salvar a humanidade, vai destroçá-la.
Os candidatos a donos do mundo são inteligentes e sabem muito bem que cada ser humano é diferente de todos os demais, por mais características, gostos e necessidades comuns que possam existir. Mas há quem se deixe seduzir por sua conversa fiada, e para essa gente é preciso explicar pacientemente que os problemas de um morador da Mooca não são os mesmos de um morador de outro bairro paulistano distante, que os de uma senhora que vive no Rio de Janeiro ou de outra que mora em Maceió.
É um enorme erro supor que alguém tenha a capacidade de delinear os valores que as preferências de cada indivíduo determinam para cada coisa e é um equívoco ainda maior imaginar que preferências assim identificadas podem ser estendidas a todos os indivíduos. Cada cabeça é uma sentença e, mesmo assim, sempre sujeita a revisão. Só há uma explicação para a insistência nesse projeto nefando: a busca pelo poder a qualquer preço.
Mas os proponentes da governança mundial estão plenamente convictos de que as suas agendas são como uma lista de tarefas e obrigações que pode ser imposta a todos os indivíduos do planeta, como estabelece, por exemplo, a agenda 2030 da ONU, que é na verdade uma declaração — arrogante e discricionária — das preferências dos bilionários que a escreveram, empenhando-se para que sejam aceitas pacificamente pelos “restantes” 8 bilhões de seres humanos.
Quem lhes deu a aparente certeza de que as coisas não são como são, mas como eles acham que deveriam ser? Quem lhes assegurou que nos podem fazer plenamente felizes, desde que vivamos de acordo com o seu conceito peculiar de felicidade? Por outro lado, quem em sã consciência ficará feliz se for privado de uma dieta de carne e obrigado a encarar sopas de grilos e suflês de besouros, uma vez que “o planeta” estaria morrendo? Quem concordará em voltar a viver como Fred Flintstone, para “preservar o meio ambiente e salvar o clima”? Que maiorias se sentirão representadas politicamente sendo tratadas com menor relevância do que as minorias?
Há outros aspectos que nos levam a repudiar as intenções desses totalitários e que precisam ser ressaltados. Uma sociedade de indivíduos livres e virtuosos deve sustentar-se em princípios, valores e instituições que lhe garantam sua própria essência — a liberdade corresponsável — e que estimulem a prática das virtudes e dos méritos individuais, como as de trabalhar e poupar, com os consequentes subprodutos de progresso, respeito aos direitos individuais, cooperação e respeito à dignidade da pessoa humana. Como definir uma ordem social livre e ao mesmo tempo virtuosa no contexto dos três grandes subsistemas que compõem as sociedades, a saber, o econômico, o político e o cultural-ético-moral?
A maior das preocupações de um liberal é com a concentração de poder, seja em mãos do Estado, seja em de particulares, pelos males que acarreta
São quatro os princípios que devem reger uma sociedade livre e virtuosa, a saber: o respeito à dignidade da pessoa humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade, todos eles basilares e de caráter geral, uma vez que se referem à realidade social no seu conjunto: das relações entre os indivíduos àquelas que se desenvolvem na ação política, econômica e jurídica, bem como às que dizem respeito aos intercâmbios entre os diferentes povos e nações. Esses princípios são imutáveis no tempo e possuem um significado universal, o que os qualifica como parâmetros ideais de referência para a análise e a interpretação dos fenômenos sociais, assim como para a orientação da ação humana no campo social, dentro de uma perspectiva ampla, a da ação humana integral.
Ora, claramente, um governo mundial não atende a nenhum desses quatro princípios, assim como aos três valores (verdade, liberdade e justiça) e às também três instituições básicas de uma sociedade livre e virtuosa (o Estado de Direito, a economia de mercado e a democracia representativa). Há inúmeros argumentos que podem ser utilizados para sustentar essa afirmativa, mas neste artigo vou apenas enfatizar um deles, o de que a ideia de uma governança global para todos os habitantes da terra, ao agredir o princípio da subsidiariedade, é uma fonte inesgotável de ineficiência.
A maior das preocupações de um liberal é com a concentração de poder, seja em mãos do Estado, seja em de particulares, pelos males que acarreta. Assim como esperar eficiência de governos — sejam eles locais, regionais ou nacionais — é inútil, nada também nos pode convencer de que podemos esperar que um governo mundial, concebido e dominado por ricaços, com o poder extremamente concentrado, possa ser eficiente. Pelo contrário, a violação do princípio da subsidiariedade aumenta a ineficiência de todas as esferas de governo, da municipal à mundial.
Em termos gerais, esse princípio sustenta que as questões sociais, políticas e econômicas de uma sociedade devem ser resolvidas no plano local mais imediato que seja capaz de resolvê-las. Uma autoridade central deve ter somente um papel subsidiário, restrito apenas às questões que não podem ser decididas localmente. Em outras palavras, uma esfera mais alta só poderá influenciar uma esfera menor se esta última demonstrar não ser capaz de resolver determinado problema internamente.
A subsidiariedade é a pedra angular do federalismo, da limitação do poder do Estado e da liberdade individual e, portanto, ao proteger o indivíduo, incomoda profundamente os Klaus Schwabs, Bill Gates e George Soros da vida, assim como os comunistas de todos os matizes. Baseia-se na ideia de que é moralmente perigoso e economicamente ineficiente retirar-se a autoridade e a responsabilidade inerentes aos indivíduos, para entregá-las a um grupo, porque nada pode ser feito de melhor por uma organização maior e mais complexa do que pelas organizações ou indivíduos envolvidos diretamente com os problemas.
A subsidiariedade decorre de três importantes aspectos da própria existência humana. O primeiro é a dignidade da pessoa humana, decorrente do fato de termos sido criados à imagem e à semelhança do Criador. Assim, remover ou sufocar a responsabilidade e a autoridade individuais equivale a não reconhecer suas habilidades e sua dignidade.
O segundo é reflexo da complexa questão da limitação do conhecimento, que na sociedade é sempre incompleto e distribuído desigualmente. Negar o princípio da subsidiariedade, passando as soluções dos problemas para organizações hierarquicamente superiores, na prática, acarreta uma ilusão de ótica, uma crença em um Grande Irmão orwelliano, que pode enxergar todas as coisas, conhecer todas as necessidades e demandas individuais, regular os setores envolvidos a contento e solucioná-las da forma socialmente correta. Ora, o planejamento central sempre fracassou e haverá de fracassar simplesmente porque esse ser não existe e jamais poderá existir.
Por fim, o terceiro aspecto que justifica a subsidiariedade é a solidariedade com os pobres e menos favorecidos, pela simples razão que essas pessoas são mais do que meramente a sua própria pobreza, por espelharem a imagem divina e a dignidade disto decorrente, a despeito de suas carências materiais. Os programas governamentais de transferências de rendas, mesmo quando bem-intencionados e bem gerenciados, só são capazes de enxergar as necessidades materiais. Além disso, os entraves provocados pela burocracia, somados à insuficiência de conhecimento total dos problemas, impedem esses programas de atenderem a todas as necessidades das pessoas. Como a pobreza manifesta-se de várias formas, muitas vezes complexas e não raramente distantes da mera falta de bens materiais, quem vive mais perto dos necessitados está necessariamente melhor posicionado, em termos de conhecimento, não apenas para ajudar a resolver as necessidades materiais, mas para dar um tratamento mais adequado às demais.
Por isso é que Madre Teresa de Calcutá dizia que solidariedade significa que “o rico salve o pobre e o pobre salve o rico”, uma vez que ambos tendem a ganhar com sua interação. A erradicação da miséria e o alívio da pobreza, em sua forma correta, não são unidirecionais, porque levam ambos — o que doa e o que recebe — a serem abençoados. Tais reflexões parecem-nos particularmente importantes, especialmente em países em que prevalece o hábito — secular e cultural — de cultivar a centralização política, econômica e administrativa.
A governança global, para beneficiar um pequeno e sofisticado grupo, prejudicará todos os países e habitantes da Terra, inclusive aqueles que hoje, tolamente, invadem museus para danificar pinturas ou protestam contra quem produz. E o Brasil, seguramente, será um dos mais prejudicados, porque a menina dos olhos dos globalistas, por razões que nada têm a ver com o clima — e todos sabem quais são —, é a Amazônia. Em suma, é “uma furada”.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Twitter: @biraiorio
Revista Oeste
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