Paula Leal, Revista Oeste
Para o pastor e pré-candidato a deputado federal Wesley Ros, o negro precisa se libertar e superar o autopreconceito
Wesley Ros é pastor, cantor gospel, compositor e produtor musical. Aos 45 anos, ele é hoje um dos pastores evangélicos mais influentes das redes sociais. Em junho de 2020, Ros gravou um vídeo manifestando sua opinião sobre racismo, na esteira do que aconteceu com George Floyd, morto por um policial na cidade de Minneapolis, nos EUA, em maio daquele ano. O discurso foi na contramão dos movimentos antirracistas que se insurgiram na época, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), ao criticar a vitimização de grupos que usam a cor de pele como justificativa para a falta de oportunidades. “Era necessário que alguém que pensasse fora da bolha vitimista falasse alguma coisa”, disse Ros. A publicação viralizou nas mídias sociais.
Desde então, ele ganhou milhares de seguidores e passou a compartilhar suas opiniões e a defender abertamente pautas de direita, como a não legalização das drogas e do aborto. Em dezembro passado, foi a Brasília e realizou uma apresentação musical no Palácio da Alvorada. Na plateia estavam o presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, além de políticos e ministros. Ao término do show, Bolsonaro convidou o pastor para ser candidato a deputado federal por São Paulo: “Negão… Bora pra São Paulo? Se os bons se omitirem, os maus prevalecem”, disse o presidente. “Na hora fiquei meio sem entender o que ele estava dizendo”, confessou o pastor. “Não sabia o que fazer, só abracei o presidente.” Ros aceitou o convite e hoje é pré-candidato a deputado federal por São Paulo pelo PL, partido de Bolsonaro.
Nesta entrevista, o produtor musical fala sobre a atuação de movimentos antirracistas, critica o discurso da “dívida histórica” em razão dos tempos da escravidão para justificar ações inclusivas e diz que não vai aceitar receber cota do fundo eleitoral pelo fato de ser negro. “Se for obrigado a receber, recebo e faço uma doação”, disse.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Em junho de 2020, na esteira da morte de George Floyd, um vídeo em que o senhor fala sobre racismo viralizou nas redes sociais. Por que o senhor resolveu gravar o vídeo?
Desde a morte do George Floyd, começou nos Estados Unidos uma onda de manifestações, para que as pessoas ficassem com ódio dos brancos. Em um protesto nos EUA, por exemplo, manifestantes jogaram uma tampa de ferro de esgoto na cabeça de um policial, que era branco, e ele morreu. O foco era contra policiais, de preferência brancos. Então, tive de me posicionar. Essa onda se espalhou por alguns países, inclusive no Brasil, com o episódio do Carrefour [em novembro de 2020, um homem negro foi morto por seguranças dentro de um supermercado da rede em Porto Alegre]. Pessoas tocando fogo no Carrefour e aquela situação toda. Era necessário que alguém que pensasse fora da bolha vitimista falasse alguma coisa. Caso de racismo existe? Existe. Algo que, inclusive, já aconteceu comigo. A ideia do vídeo era não maximizar o vitimismo. Quis apontar o racista e não generalizar que todo branco é racista. Acho que meu recado foi muito bem dado.
Como foi a repercussão desse vídeo nas redes sociais?
Ganhei muitos seguidores. Com isso, pude maximizar o que penso sobre a convivência entre negros e brancos e externar minhas opiniões políticas. Na época, os principais blogs entraram em contato para me entrevistar. Vi o carinho das pessoas. E não foi pela minha cor. Foi pelas minhas opiniões. Quantos negros chegaram para mim dizendo que pensavam diferente, que abri a cabeça deles, como um machado no cérebro. Mas também sofri um pouco de cobrança, de perseguição nas redes sociais. Esses que já têm carteirinha de militante disseram que eu estava negando o movimento, que eu era negro com discurso de branco. Esses são os verdadeiros racistas.
“A cota deveria ser social. Existem brancos embaixo de pontes, brancos na cracolândia, existe branco passando necessidade”
Como o senhor responde a negros que dizem que os brancos têm uma dívida histórica em razão da escravidão e que é preciso compensar esse período com ações inclusivas?
O negro tem uma licença para ser racista. Qual é? Jogar a culpa na dívida histórica. ‘Estou atacando o branco, mas não é um ataque. Sou a vítima, porque o branco tem uma dívida comigo’. E por isso o negro se acha no direito de atacar o branco. E o branco não pode se defender, mesmo sofrendo racismo por parte do negro. Quem é o verdadeiro racista nessa história?
O que o senhor pensa sobre a política de cotas nas universidades?
A cota deveria ser social. Existem brancos embaixo de pontes, brancos na cracolândia, existe branco passando necessidade. Tá cheio de negão milionário e de branco pobre. Esse discurso de dívida histórica pode ter funcionado por um determinado tempo, hoje não mais. Não há por que cobrar uma dívida do branco se não foi ele que fez e não é o negro de hoje que está amarrado num tronco. Isso não faz sentido. Além disso, é uma depreciação quando o negro entra em uma universidade e diz que conseguiu com a ajuda do branco. O mesmo branco que ele critica.
O Brasil é um país racista?
Nos Estados Unidos, existiam bairros negros e brancos, escolas para negros e para brancos. No Brasil não houve isso. Você sai na rua e vai encontrar negros e brancos em qualquer esfera da sociedade. Aí vem o discurso: ‘Mas o negro não tem chance’. Como assim? Ele tem chance no funk e ganha milhões, tem chance no rap, no samba e ganha milhões, tem chance no futebol. Se existem setores em que o negro pode crescer e se tornar milionário, por que não na intelectualidade? Não é que não tem oportunidade, é que muita gente escolhe não estudar. É o negro que cresce com essa mentalidade ‘não tenho, não sou, não posso, não consigo’. A cadeira do intelectual branco, por exemplo, quem fundou foi um negro, Machado de Assis [o escritor fundou a Academia Brasileira de Letras, em 1897]. O pior racista é o negro vitimista. Porque ele sempre acusa o branco. E não é um branco, é o branco, no coletivo.
O senhor já disse que não acredita na existência da raça negra e que isso seria uma criação afro para distinguir preto de branco e dizer que preto tem raça e o branco não. Por quê?
Os movimentos de minorias sempre cobram que eu defenda a raça. Mas que raça? ‘A negra’, eles dizem. Mas eu não sou da raça negra, sou da raça humana. O cara que se ofende por ser chamado de negão precisa rever seus conceitos. Ele é preconceituoso. Porque essa mesma pessoa que se ofende, muitas vezes, é aquela que veste uma camiseta escrita “100% preto”, mas se sente ofendida quando um branco a chama de preto.
O senhor tem bastante contato com a classe artística. Como o senhor avalia o engajamento dos artistas em defesa de movimentos negros e antirracistas?
Veja o exemplo da música cantada pelo Seu Jorge no filme Marighella, ‘a carne mais barata do mercado é a carne negra’. Ele já foi casado com quatro mulheres, e as quatro são brancas. Por acaso, ele estava em promoção quando elas chegaram para casar com ele? Olha os carros que ele tem, quanto custa um show dele? R$ 300 mil, R$ 400 mil? Ele é carne barata? Isso é tripudiar em cima dos negros, fazer deles palanque para alcançar fortuna e chamar todos os brancos de racistas. Menos as mulheres dele. Não entendo essa hipocrisia. A Ludmilla, funkeira, disse que precisou se mutilar para ser aceita na sociedade e que, por isso, fez cirurgia para afinar o nariz. Aí eu pergunto: e branco não faz também? É questão de estética. Ludmilla se mutilou não porque não foi aceita na sociedade, mas porque ela não se gosta. Ela se mutilou porque não se aceita negra. Por isso que ela usa peruca, alisa o cabelo. Quantas mulheres se cuidam, fazem dieta, alisam cabelo, fazem cirurgia plástica independentemente de serem brancas ou pretas? O negro precisa vencer o seu autopreconceito para depois dizer que algum branco é preconceituoso.
Como o senhor define o negro que não pensa como o senhor?
Chamo de prisioneiro de uma senzala ideológica. Não se pode mais amarrar fisicamente os pulsos dele, os pés dele, então ele permite que amarrem seu cérebro. No fundo, ele ainda é um escravo.
O senhor foi convidado pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro para ser candidato a deputado federal. Por que aceitou o convite?
Nunca tinha passado pela minha cabeça entrar na política. Nunca trabalhei em gabinete, na esfera pública. Meu negócio sempre foi a música, o palco, gravar artistas. Quando Bolsonaro me convidou, foi uma grande surpresa. E capitão não pede, capitão ordena. E o soldado que é inteligente obedece. O presidente me abriu os olhos para encarar o pedido como uma missão, um propósito. Para mim, lucrativamente, é andar para trás. Abrir mão das minhas agências, produções, shows, para ganhar o salário de deputado federal, é preciso ter muito amor no coração. Mas entendi o chamado de Bolsonaro e que ele precisa de ajuda.
Por ser negro, o senhor terá direito a cotas do fundo eleitoral do seu partido. Como enxerga esse benefício?
Meu partido vai dar cota para que eu receba verba partidária só porque sou negro? Não quero. ‘Mas é obrigatório.’ Se for obrigado a receber, recebo e faço uma doação. Veja, isso foi um projeto da Benedita da Silva [em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral acatou o projeto da deputada federal do PT para que os partidos destinassem recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos]. O que a deputada quis com isso? Ela quis vender a ideia de que está ajudando a comunidade negra com essa iniciativa. Ela quis mostrar que os brancos sempre estiveram no poder na política e que seu projeto vai promover mais candidatos negros. Benedita ganhou o que queria: votos. Negros escravizam negros. Como lá atrás. A história se repete, só que agora é na ideologia.
O que o senhor pretende realizar caso seja eleito deputado?
O político hoje não tem de ter bandeira, ele precisa atender o Estado que o elegeu e os eleitores que confiaram nele. Vou dizer que sou simpatizante a alguns temas, como a cultura e o foco em investimentos na periferia. Simpatizo também com a ideia de instalar escolas cívico-militares. Por que não? Eu gostaria de ver meus filhos hasteando a bandeira, cantando o Hino Nacional. Juntando todas as emendas a que um parlamentar federal tem direito, ele consegue movimentar cerca de R$ 60 milhões por ano. Dá para fazer muita coisa. Acho que serei uma peça fundamental caso isso se concretize, porque vou mostrar para os meus irmãos de cor que é possível pensar diferente daquilo que eles aprenderam a vida toda em um universo totalmente vitimista. E quero fazer por todos. Não pelos negros, mas pelas pessoas.
Paula Leal, Revista Oeste
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