Paula Leal e Cristyan Costa, Revista Oeste
Mauro Luiz de Britto Ribeiro é cirurgião, professor em duas universidades de Mato Grosso do Sul e presidente do Conselho Federal de Medicina. Paulista, ele se formou na Faculdade de Petrópolis (RJ) e fez pós-graduação no Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque.
Desde o início da pandemia de coronavírus, Ribeiro defendeu a autonomia dos médicos no enfrentamento da covid-19. Devido a esse posicionamento, tem sofrido perseguição no meio científico e na mídia desde que assinou o Parecer n° 4/2020. O documento possibilitou o tratamento precoce ao permitir o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina como armas contra o coronavírus.
“Estão tentando nos calar”, afirma Ribeiro, hoje investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 e na mira da Defensoria Pública da União (DPU). Em um processo, a DPU pede R$ 60 milhões de indenização por causa do parecer. Ribeiro garante que não vai recuar.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que é o Conselho Federal de Medicina?
Somos uma autarquia federal, com 56 conselheiros (entre definitivos e suplentes), que representa mais de 550 mil médicos no país. Temos a competência de normatizar e fiscalizar a medicina no Brasil, além de julgar profissionais da categoria por delitos éticos e estabelecer o que é tratamento experimental e o que não é. Nosso objetivo maior é garantir à população boas condições de atendimento em saúde.
Como o senhor avalia o desempenho do Brasil na pandemia?
O Brasil teve méritos no combate à covid-19. Apesar da tragédia de 600 mil mortes, 20,7 milhões de pessoas venceram o coronavírus. Diferentemente de outros países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, nós iniciamos a campanha de imunização vacinando aos milhares. Em um dia, conseguimos aplicar 3,2 milhões de injeções. Isso é quase a população do Uruguai. Somos um dos países que mais vacinam no mundo, apesar de não produzirmos vacina. Desde janeiro, já são mais de 100 milhões de pessoas totalmente vacinadas. Não existe no mundo um sistema com essa capilaridade. É importante lembrar também que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello comprou 560 milhões de unidades de vacinas, algo pouco falado na imprensa. Antes da pandemia, tínhamos 42 mil leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Com as verbas do governo federal, foi possível elevar as UTIs para aproximadamente 65 mil. Nunca se injetou tanto dinheiro na saúde. Já são quase R$ 100 bilhões. Isso possibilitou que Estados e municípios criassem hospitais de campanha, contratassem e capacitassem pessoal. Certamente ocorreram erros, como em todo o mundo, porque a covid-19 ainda é uma doença desconhecida. Contudo, não é justo ficar criticando posicionamentos passados.
A imprensa tradicional passa a impressão de que o CFM é contra a vacinação. Isso é verdade?
Apoiamos a vacinação em massa de toda a população brasileira a partir dos 18 anos. Abaixo dessa faixa etária, entendemos que ela não deve ser privilegiada. Há seis meses, nós estamos engajados em campanhas para que as pessoas se conscientizem da necessidade dos imunizantes, respeitando o que o Ministério da Saúde fez com sabedoria ao escalonar grupos prioritários: primeiro os idosos, os profissionais da linha de frente e assim por diante. Se houver vacina para todos, esse grupo de 12 a 17 anos pode ser vacinado.
O CFM defende a vacinação obrigatória?
Não. Em nosso entendimento, as pessoas vivem em um Estado Democrático de Direito e podem dizer se querem ou não se vacinar. Como ainda inexiste um tratamento reconhecido para a covid-19 na fase inicial, o CFM permite que o médico e o paciente, em comum acordo, decidam qual a melhor terapêutica para determinado caso.
Qual a posição do CFM sobre o passaporte da vacina?
Somos contra. A pessoa vacinada pode adquirir o vírus e transmiti-lo. Por que, então, exigir um passaporte sanitário se a pessoa que está vacinada pode se reinfectar e prejudicar os outros também?
O senhor defende a volta às aulas presenciais?
O CFM é a favor. Nenhum país ficou tanto tempo sem aulas. Hoje, estamos em uma posição que nos permite dar um passo adiante. As crianças precisam voltar ao convívio. Há estudos mostrando distúrbios de ansiedade em crianças e adolescentes devido ao isolamento. Manter uma criança enclausurada tem um peso enorme em sua vida.
Como o senhor vê o lockdown no combate à pandemia?
Em primeiro lugar, trata-se de uma questão indissociável de fatores econômicos. É muito fácil falar ‘fique em casa’ enquanto se recebe salário no fim do mês. Mas como dizer isso para cerca de 40 milhões de chefes de família que vivem na informalidade? Há pessoas que não têm o que comer. O segundo ponto: onde foi feito o lockdown no Brasil? Enquanto os centros urbanos estavam “fechados”, milhares de pessoas se aglomeravam no transporte público. Terceiro ponto: nunca se comprovou que o lockdown tem um efeito maior que medidas sanitárias, como higienizar nas mãos, não tocar em mucosas, distanciamento social, álcool em gel e máscaras. Quarto ponto: ficar isolado em casa te desarma. Ninguém respeita distanciamento, deixa de pôr as mãos nas mucosas ou usa máscara. Um integrante da família pode se infectar no supermercado ou enquanto recebe comida por delivery. Ele vai contaminar todos os outros parentes. Lembro do caso de Nova Iorque, no início da pandemia, em que a maioria dos internados com covid-19 era de gente que estava em isolamento.
Na semana passada, o senhor foi incluído na lista de investigados da CPI da Covid. Como recebeu a notícia e por que entrou na mira da comissão?
Ainda tenho esperança de ser chamado para depor na CPI. Faço questão. Fizemos uma nota de esclarecimento à população brasileira e nos colocamos à disposição da CPI, mas não em tom de desafio. Porque a entidade que verdadeiramente representa os médicos brasileiros somos nós, é uma questão legal. Somos a maior entidade médica reguladora de medicina do mundo. Também fazemos essa pergunta: ‘Por que trazer a maior instituição médica do Brasil dentro de uma discussão que é política, em torno das próximas eleições para Presidência da República?’. Assim como não esperava viver a covid, também não esperava viver isso hoje, em que certos assuntos são proibidos. Parte da imprensa, jornalistas de determinado viés insistem em dizer que o Conselho Federal de Medicina recomenda o chamado tratamento precoce. Não existe uma declaração do presidente do CFM, não existe um documento do Conselho Federal que recomende o tratamento precoce.
“Dizer que hidroxicloroquina e ivermectina matam, para quem é médico, mais parece uma piada”
Mas o Parecer nº 04/2020 citava expressamente a cloroquina.
Porque o parecer era sobre cloroquina. Na época, quem pediu o parecer foi o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Ele, que prestigiou muito o Conselho Federal de Medicina nas suas decisões, falou publicamente que o Ministério da Saúde iria fazer aquilo que a maior entidade médica do Brasil orienta. Essa foi a razão do parecer, e ele cita a todo momento a autonomia médica. Ao defender a autonomia, não estamos defendendo um tratamento, mas um princípio milenar hipocrático e isso nos dá muita segurança e tranquilidade para enfrentar denúncias da Defensoria Pública da União, multas milionárias, investigação na CPI.
Por que a discussão em torno do tratamento contra a covid-19 foi politizada?
Porque hoje existem, por parte do establishment, assuntos que são proibidos, mas sobre os quais o Conselho Federal de Medicina teima em se posicionar. Dentro de uma narrativa política, ninguém pode falar nada que não esteja estabelecido como verdade por uma ala da sociedade brasileira. Chegamos à conclusão de que querem nos calar. Querem impor uma narrativa e determinar o que o CFM tem de fazer, sem levar em conta o que os médicos pensam. Contratamos uma empresa e fizemos um levantamento recente que mostra que 25% dos médicos brasileiros propõem o tratamento precoce. E 74% da população diz que, se tiver a covid, quer ser tratada com o tratamento precoce. Olha o grau de complexidade da posição que o CFM tem de tomar. Um jornalista da televisão chegou a dizer que quem prescreve tratamento precoce deveria ser cassado, outro disse que o médico deveria ser preso. É algo que dói para quem está na linha de frente. Se você quer discutir a eficácia da hidroxicloroquina e ivermectina no tratamento da covid, a discussão é legítima. Até o momento, não há comprovação de que funciona, nem de que não funciona. Agora, dizer que hidroxicloroquina e ivermectina matam, para quem é médico, mais parece uma piada. E quando isso vem da boca de um médico, beira ao escárnio.
Existem pouco mais de 350 escolas de medicina no Brasil e 90% delas estão em cidades que não atendem aos critérios considerados essenciais para o exercício da formação prática do profissional. Além disso, o Brasil apresenta uma taxa de médicos por 100 mil habitantes maior que EUA, Chile e Canadá. Quais as consequências da abertura de tantas escolas médicas no país?
É catastrófico. A política de abertura de escolas médicas no Brasil começou com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele abriu cerca de 70 delas. No governo Lula, foi em torno disso também. Na gestão da ex-presidente Dilma, em seis anos de mandato, foram abertas mais de 150 escolas. Isso não tem paralelo no mundo. Até acredito que a presidente Dilma é a menos culpada, porque ela não entende disso, foi mal orientada. Quem eu responsabilizo mais por essa política danosa? O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha. Quando nos posicionamos contra essa abertura indiscriminada, imediatamente fomos tachados de corporativistas. Mas, veja, há cerca de dez anos, as escolas formavam por volta de 14 mil médicos por ano. Em 2021, devemos formar 25 mil médicos. Quando todas as escolas autorizadas forem abertas, formaremos 35 mil médicos por ano. E mais, foram abertas escolas de medicina em cidades que não têm condição de oferecer um ensino de qualidade com a complexidade de um curso de medicina. No governo do ex-presidente Michel Temer, fizemos uma moratória de escolas médicas por cinco anos, porque o próprio governo acatou a nossa argumentação. Agora iniciamos uma conversa com este governo para fazermos um marco regulatório para abertura de escolas médicas no país.
Já é possível desenhar um cenário pós covid-19 no Brasil?
Estamos controlando essa doença, mas ela ainda não acabou. São cerca de 350 brasileiros morrendo todos os dias. Isso não é um número aceitável. Não podemos relaxar no combate à doença. Claro que já chegaram a morrer 4 mil pessoas em um dia, mas 350 mortes é um número que não podemos aceitar. Ainda não podemos comemorar e achar que nossa vida voltou ao normal. Nós precisamos vacinar.
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