Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

FUSOS

 MIRANDA SÁ

“Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso” (Provérbio popular)

Os costumes tradicionais – parece redundância, mas não é –, levam muitas vezes a absurdos. Um amigo meu, cônsul português no Rio de Janeiro, contou-me que num vilarejo do Norte de Portugal uma viúva, atendendo ao pedido do falecido marido, não usou luto; e por isso sofreu agressões das mulheres locais nas ruas e teve a porta de sua casa coberta de piche.

É o que sugere o ditado popular, epigrafado, conhecido em várias nações sobre os costumes sociais e tradições respeitadas pelos seus povos. Isto se manifesta no comportamento pessoal e também nas relações regionais, nacionais e internacionais, cada local usando o lado negativo deles.

Uma vez a minha mulher teve o celular roubado em Buenos Aires, na Caje Florida, e ao darmos queixa na polícia, o plantão da delegacia lamentou e se desculpou dizendo que a cidade estava cheia de “bolivianos”; também em Santiago do Chile recebemos o conselho de tomarmos cuidado com os pertences porque haviam muitos argentinos batedores de carteira…

Na linguagem diplomática há um (ou seria “uma”?) “troca-troca” de referências sobre retiradas de reuniões sem justificativa: Os ingleses falam de “despedir-se à francesa”, e os franceses de “retirar-se à inglesa”.

“Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”. Como sugere o ditado popular, cada região, das metrópoles aos povoados interioranos, têm as suas tradições comuns adaptadas à própria realidade, da linguagem aos costumes, nos relacionamentos sociais, ritos de passagem, festas familiares e populares.

“Terra”, como solo, território, país e pátria, todos nós sabemos o que é, e os agitadores sociais, formadores de opinião e políticos, não se cansam de enaltece-los e defende-los da boca para fora, por pura demagogia.

Entretanto, “roca” e “fuso” neste século 21, são referências que devem parecer estranhas para as novas gerações; a Roca é a avoenga dos teares, que encontramos atualmente nos museus; é um equipamento mecânico composto de uma roda e uma vara que leva um bojo na extremidade para enrolar fios de algodão, lã ou linho, para tecer. Como substantivo feminino designa também penhasco, rochedo; e na linguagem náutica é uma peça de madeira que reforça o mastro de uma embarcação; ainda temos “roca” como presente do indicativo do verbo rocar, ato de fazer um roque no jogo de xadrez.

O Fuso, um substantivo masculino com vários significados é mais conhecido. Para quem estuda geografia ou viaja, lida com os fusos horários, cada uma das 25 áreas em que se divide a Terra, marcando no espaço de cada uma, a hora legal. São meios planos na Matemática, e, na Geometria o sólido formado pela revolução de uma curva. Além desses, dá-se o nome dos moluscos gastrópodes de concha longa e pontiaguda.

O nosso Brasil é dividido territorialmente por regiões bastante distintas, que cartografando encontraremos no mapa relações fusiformes políticas se encaixando como um parafuso no meio ambiente, estabelecendo distintos padrões de cultura da vida cotidiana, interação e relações sociais.

Assim, estamos assistindo no Nordeste um fenômeno político vendo a massa eleitoralista que era do corrupto Lula da Silva pendendo agora para Jair Bolsonaro; mostram assim os nordestinos que nenhum dos dois é dono dos votos, mas os seus cabos eleitorais “bolsa-família” e “auxílio emergencial”…. Naquela região as rendeiras do Sertão Paraibano e os fabricantes de redes do Seridó Norte-rio-grandense ainda usam rocas e fusos…

Quando falo do Nordeste, lembro-me do excelente livro do grande intelectual paraibano Allyrio Wanderley, “As bases do Separatismo”, um estudo sociológico que me fez conhecer o que chamávamos antigamente de Nordeste Meridional, a faixa geográfica que se estende do Rio Grande do Norte às Alagoas.

Allyrio revolve historicamente a Revolução Pernambucana de 1817, mostrando a importância regional nacionalista com uma proposta separatista que teve grande repercussão na Região Sul e a divulgação do livro impedida pela ditadura Vargas.

Mais tarde, a venda do livro foi proibida dizendo-se na época que a medida se deveu ao capítulo “Soldadinhos de Ouro”, analisando o custo do Exército em relação à Educação e Saúde públicas.

Este fuso geométrico na curva econométrica continua preocupando. Repercute na crise econômica acelerada pelo novo coronavírus, com os poderosos dos três poderes republicanos exigindo sacrifícios do povo, sem abrir mão dos seus privilégios, o que daria um exemplo de empenho altruísta.

Tecendo nesta roca, relembro que na última campanha presidencial, votei num candidato que criticava os cartões corporativos e o foro privilegiado; hoje gasta mais com os cartões do que os governos anteriores; e enaltece o fuso do “foro” em defesa dos seus…











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