por Alexandre Costa.
Com a crise do coronavírus, estamos vivenciando o resultado de todo um processo que, desde o início, teve a ambição de controlar a opinião pública e vigiar o comportamento das pessoas.
"Ser banido significa ir para longe, muito longe. Para um lugar onde as pessoas se tornaram conscientes demais." (Aldous Huxley)
No imaginário popular, a palavra totalitarismo costuma ser relacionada a regimes ditatoriais em que a liberdade só existe dentro de parâmetros muito restritos e, mesmo assim, apenas para aqueles que contribuem de alguma forma para a manutenção do poder. Regimes como o nazismo, o socialismo, o comunismo e o fascismo sempre apresentaram de forma clara e evidente as restrições aos direitos naturais e as limitações das liberdades individuais. A essência do totalitarismo, no entanto, pode existir em um simulacro de democracia, sem um aparato ostensivo de repressão, desde que use uma camuflagem cientificista revestida de boas intenções.
A liberdade de expressão, uma das bases da verdadeira democracia, sempre foi o maior obstáculo ao totalitarismo, e exatamente por isso costuma ser o alvo primordial dos totalitários, sejam aqueles que pretendem subjugar um povo colocando uma bota em seu pescoço, sejam os que se disfarçam de benfeitores e se apoiam em eufemismos para impor as regras que a população deve seguir. Em ambos os casos a mentalidade totalitária dá início à sua escalada criando limites para a livre manifestação. Melhor dizendo, omitir informações destoantes do discurso oficial e censurar opiniões contrárias são sempre os primeiros passos para o totalitarismo.
Os primeiros meses de 2020 entrarão para a história como um período sombrio. Não apenas pela pandemia que assolou o mundo e proporcionou uma crise generalizada, mas também porque mostrou que a mentalidade totalitária está enraizada em algumas camadas da sociedade. Desde o início do ano, intelectuais, artistas e jornalistas do mainstream desonraram suas posições ao se aliarem ao que existe de pior na política com o intuito de defender posições ideológicas ou partidárias.
Que políticos ambiciosos e burocratas busquem calar as vozes divergentes com o objetivo de ampliar o alcance do seu poder, nunca será uma surpresa. Que multidões de pessoas desinformadas passem não apenas a aceitar, mas a comemorar iniciativas que esmaguem seus direitos para controlar suas atitudes, também não é nenhuma novidade, pois o medo, instrumentalizado por objetivos inconfessáveis, tem a capacidade de alterar percepções e ativar um senso de sobrevivência que muitas vezes cega a análise dos desavisados. O que pode parecer surpreendente é ver a chamada classe pensante ajoelhar diante de atitudes totalitárias e, mais ainda, colaborar com elas. Foi usada a expressão "pode parecer" porque na verdade basta um recuo para entender, de fato, o que está acontecendo.
A pandemia chegou ao Brasil durante um governo odiado por essa casta acostumada a privilégios e ao protagonismo no debate público. Portanto, pretendem aproveitar tudo que possa prejudicar ou desgastar a administração atual, na esperança de um retorno àquilo que consideram "normalidade". Para alcançar esse objetivo, estão dispostos a abandonar os princípios democráticos que juram defender e a distorcer os parâmetros que definem o que vem a ser liberdade.
Na academia, essa omissão diante das afrontas aos direitos individuais que estão sendo cometidas em nome de uma suposta proteção contra o coronavírus são efeitos das décadas de aparelhamento que vem ocorrendo nas universidades. Muitos professores têm funcionado como instrumentos de formação ideológica, construindo as bases da hegemonia cultural conforme apregoava Antonio Gramsci. Como já se passaram algumas gerações desde o início do funcionamento desse mecanismo, os atuais agentes muitas vezes nem percebem que estão apenas repercutindo um molde cuja origem desconhecem, simplesmente porque lecionam aquilo que aprenderam.
Entre os artistas essa visão embaçada do que vem a ser democracia também pode ser observada. Além da óbvia questão financeira, consequência da reestruturação das leis de incentivos — a fonte que jorrava recursos para artistas engajados secou ou está apenas gotejando —, também existe um aspecto de ordem psicológica, devido a uma particularidade presente no imaginário da classe artística moderna, especialmente a brasileira. Acostumados a associar arte com subversão dos valores, acreditam que seu trabalho se resume a causar impacto e escândalo naquilo que eles imaginam ser o "conservadorismo". Pensando estar colaborando para o que chamam de "progressismo" de forma genérica, colaboram com o pensamento totalitário do establishment camuflado de insurgente, ou seja, respondem a estímulos de forma mecânica enquanto pensam estar agindo espontaneamente.
A grande imprensa, desesperada diante da perda de credibilidade e do protagonismo das redes sociais, carente das verbas de propaganda estatal que reduziram significativamente no governo atual, tem colaborado com o avanço dos objetivos totalitários preconizados pelos burocratas da velha política, inclusive e principalmente com a censura.
Como ficou evidente com o apoio incondicional à CPMI das Fake News, que mostrou-se um preparatório para que censores possam agir em nome de uma fraude descarada, a mídia, ou melhor, a parte visível do establishment, abandonou o disfarce que a escondeu durante muito tempo. A crise de 2020, que teve origem em uma doença e se alastrou por várias outras áreas da sociedade, também serviu para trazer à luz a verdadeira função da grande imprensa. Ao invés de se portar como defensora incondicional da liberdade de expressão, como repete demagogicamente em seu discurso oficial, a mídia brasileira está atuando como promotora do totalitarismo, ao relativizar e até mesmo justificar atos de censura que estão acontecendo às centenas, talvez milhares. Para qualquer um que esteja um pouco mais atento, foi descortinado o objetivo desta aparente incompatibilidade.
Por outro lado, embora tenham proporcionado uma oportunidade para que a voz popular tivesse maior alcance, as redes sociais foram paulatinamente fechando seus espaços para discursos e pensamentos discordantes daqueles adotados pelo establishment. Nos últimos anos esse processo foi ganhando corpo, com as empresas responsáveis pelos sites mais populares do mundo se aliando aos grandes órgãos de imprensa e seus satélites, as agências de checagem e os institutos de pesquisa. Junto a isso, conceitos como "pós-verdade[1]", "fatos alternativos" e outras formas de relativismo deixaram o ambiente acadêmico e a pauta de reuniões como as do Clube Bilderberg[2], ganharam repercussão e passaram a funcionar como argumentos para justificar a censura ou qualquer outra forma de restrição às liberdades. A própria disseminação da expressão fake news, que ganhou força com as acusações de Donald Trump aos conglomerados da mídia americana, agora passou a ser usada para acusar aqueles que discordam dos posicionamentos de um suposto consenso. Apesar de quebrar a hegemonia dos jornalistas, portanto, os recentes meios de comunicação representados pelas redes sociais passaram a ocupar a posição de novos censores, de novos mecanismos de controle da opinião pública. Mas para entender melhor como chegamos a esta nova forma de censura, que alcançou o seu ápice em 2020, com o Google confirmando a manipulação de pesquisas em seus algoritmos e empresas como Twitter e Facebook censurando um Chefe de Estado[3] em nome de uma suposta proteção à saúde coletiva, precisaremos fazer um novo recuo.
A Internet surgiu como um projeto do deep state americano, com o nome de Arpanet. Faziam parte desta iniciativa da ARPA[4], outros órgãos militares, os serviços de inteligência, corporações ligadas aos mercados de telecomunicações, armamentos, logística e alta tecnologia, além de cientistas e pesquisadores de Stanford, Massachusetts Institute of Technology (MIT) e outras universidades, pensadores de think tanks globalistas como Council on Foreign Relations (CFR) e Chatham House, e de algumas fundações bilionárias que financiaram projetos paralelos com interesse no conteúdo dessas ações. Inicialmente a idéia era criar uma forma de comunicação segura que interligasse os sistemas de informação destes players, e também os vários agentes geopolíticos comprometidos com o fortalecimento de um ambiente de governança global. Como o objetivo era proporcionar segurança aos dados que circulariam por essa rede, a "encomenda" deixou claro um ponto importante, que os protocolos exigissem o controle e o armazenamento sobre o fluxo destes dados, o que definiria a evolução da sua sucessora, a World Wide Web, como um depósito de informações que guarda todos os movimentos de todos os usuários, o tempo todo.
Obedecendo aos enunciados da Lei de Moore[5] e da Lei de Metcalfe[6], a década de 1990 foi responsável pela expansão radical da Internet e pelo aparecimento das tecnologias que iriam organizar o ambiente até então caótico da rede. Entre outras grandes inovações, a idéia de classificação baseada em um ranking que levava em conta o número de citações foi decisiva para permitir o manuseio dos dados coletados, tarefa que era pouco eficiente no início da operação. Essa idéia era a essência de uma tese de doutorado[7] defendida por dois jovens em 1998, e que logo em seguida formariam uma empresa chamada Google. Com os algoritmos de relevância, a rede permitiu o manuseio dos dados que antes pareciam dispersos e incompreensíveis e atiçou a mentalidade daqueles que desejavam controlar o fluxo de informações, dando corpo e funcionalidade a um projeto diabólico criado um ano antes pelo FBI, com apoio dos mesmos pioneiros da Arpanet/Internet, o Omnivore, mais tarde renomeado com o nome que ficou famoso, Carnivore, um misto de software espião, catálogo digital e classificador baseado em comportamento online. Após inúmeras controvérsias a tentativa foi oficialmente rejeitada pelo congresso americano, mas deu origem a outros projetos igualmente totalitários como DCS1000[8], NarusInsight[9], PRISM[10], JFCOM-9[11] etc.
Com a era da chamada Internet 2.0[12] ocorre uma mudança profunda na essência da Internet, com novas formas de interface, onde as informações passam a ser disponibilizadas pelos próprios usuários[13]. Surge nesse momento o conceito de redes sociais, facilitando o acesso aos dados privados sem necessidade de invasões clandestinas ou ilegais. Dispondo das possibilidades de armazenamento organizado, rastreio e classificação de montanhas de dados simultâneos, não tardou para que a mente totalitária mostrasse profundo interesse pelas novas ferramentas de vigilância e controle. Esse princípio de Consumer-Generated Media[14] prosperou e avançou com facilidade no mundo todo, até mesmo em países com rígido controle sobre a liberdade de expressão, pois tem a particularidade de acesso pontual e imediato a todo conteúdo dos usuários, além de permitir censura automática por tema, autor ou palavra-chave. Exatamente por esses motivos uma ditadura como a China, por exemplo, que sempre desprezou e oprimiu a opinião pública, vem investindo rios de dinheiro em tecnologia da informação, em softwares, hardwares e aplicativos de comunicação online, de localização e de controle, como o "Sistema de Crédito Social[15]", que pontua, pune ou oferece "benefícios" aos chineses de acordo com normas específicas de comportamento, cruzando várias fontes de dados e utilizando inclusive o GPS e o reconhecimento facial. Assim a Internet se tornou a "alma" dos projetos totalitários e principal ferramenta de implantação da Nova Ordem Mundial.
De volta ao presente, estamos vivenciando o resultado de todo um processo que, desde o início, teve a ambição de controlar a opinião pública e vigiar o comportamento das pessoas. A prova de que esse processo está acelerando são as inúmeras ações totalitárias que estão ocorrendo diariamente, sem resistência e em número cada vez maior nas redes sociais, nos buscadores e nos aplicativos. Tudo está ficando cada vez mais restrito, até mesmo as mensagens[16] privadas estão limitadas e controladas, e a crise atual está funcionando como combustível para o avanço do totalitarismo. Estas empresas se tornaram onipresentes, seu poder ultrapassa qualquer fronteira, criaram dependência nos hábitos e nos negócios e já dominam a maior fatia da publicidade mundial.
Se hoje vemos corporações do Vale do Silício utilizando a pandemia do coronavírus para classificar a relevância de resultados buscados, promover informações específicas e deletar notícias, banir opiniões ou mesmo vaporizar[17] perfis em desacordo com as recomendações estatais ou de organismos internacionais como OMS ou ONU, devemos perceber também que entregamos nossa soberania, nossa liberdade e nossa privacidade a um conjunto de empresas e burocratas sem qualquer compromisso com os nossos valores, um grupo restrito de bilionários e poderosos comprometidos até a medula com um projeto totalitário global.
Caso não ocorra um imediato levante de resistência contra as arbitrariedades que já estão se tornando cotidianas, seja por burocratas de todas as instâncias governamentais, inclusive internacionais, seja pelas empresas que controlam a circulação de informações, teremos implantações definitivas, mudanças permanentes de comportamento e dificilmente conseguiremos retomar as rédeas da nossa vida. Então, de certa forma, estaremos experimentando, na prática, as consequências de desprezar a verdade contida na famosa frase de Thomas Jefferson: "O preço da liberdade é a eterna vigilância".
Em 14 de Abril de 2020
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— Alexandre Costa é autor de "Introdução à Nova Ordem Mundial", "Bem-vindo ao Hospício", "O Brasil e a Nova Ordem Mundial", "Fazendo Livros" e "O Novato".
Site: www.escritoralexandrecosta.com.br
Canal: www.youtube.com/c/AlexandreCosta
[1] Word of the Year, Oxford, 2016.
[2] "O mundo pós-verdade" foi tema de uma reunião dos Bilderberg, em 2018, na Itália.
[3] Nos dias 29 e 30/03/2020, Twitter e Facebook removeram postagens do Presidente Jair Bolsonaro.
[4] ARPA, sigla para Advanced Research Projects Agency Network, mais tarde renomeada para DARPA, a agência atualmente responsável pelo desenvolvimento de robôs militares.
[5] O poder de processamento dos computadores deve dobrar a cada dois anos - Gordon Earle Moore
[6] "O valor de um sistema de comunicação cresce na razão do quadrado do número de usuários do sistema" - Robert Metcalfe.
[7] "Anatomy of a Large-Scale Hypertextual Web Search Engine" – Título da tese defendida por Sergey Brin e Larry Page.
[8] Digital Collection System.
[9] Projeto de cibervigilância da Narus, uma das pioneiras do Big Data.
[10] Programa da Special Source Operations, da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), criado em 2007 para coletar dados dos usuários da Internet, em parceria com grandes empresas de tecnologia como Apple, Microsoft, Google, Facebook e Yahoo.
[11] Simulador que reúne dados coletados de inúmeras fontes com o objetivo de criar um modelo global e prever tendências culturais e geopolíticas. Uma parceria da Simulex com a Lockheed Martin.
[12] Não existe consenso sobre esse termo, usado por Tim O'Reilly em 2004, mas acredito que ele serve para simples identificação.
[13] "O que tentamos fazer no Facebook foi mapear todas as relações que as pessoas têm" - Mark Elliot Zuckerberg
[14] Termo utilizado no livro "On the Way to the Web: The Secret History of the Internet and Its Founders", de Michael A. Banks.
[15] O Sistema de Crédito Social da China já existe desde 2018.
[16] Segundo informações do WhatsApp, o aplicativo pretende limitar ainda mais o reenvio de mensagens a vários destinatários. A restrição teve início em 2018, após pressão de agências de checagem e outros censores disfarçados de democratas.
[17] Em 1984, de George Orwell, os indivíduos que se indispunham com o Grande Irmão desapareciam e na Novilíngua eram chamados de "vaporizados".
publicadaemhttp://www.puggina.org/artigo/convidados/a-liberdade-desconectada/17252
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