por Alex Fiuza de Mello
Os primeiros (a minoria), ainda que eleitos em suas respectivas bases loco-regionais, apresentam roteiro de atuação e comportamento mais adequados à função, dilatados sobre as questões mais amplas do país e aprumados ao diâmetro dos misteres da federação como um todo.
Os segundos (a maioria), de costume antenados exclusivamente aos interesses domésticos de seus “currais” – e, via-de-regra, agitados nos bastidores e silentes no plenário –, atuam, tão somente, como meros “edis de luxo”, na exata medida de sua pequenez e mediocridade, à caça de “trocos” compensatórios pelo aluguel oportunista de seus apequenados mandatos.
Mas existe, ainda, uma subclassificação a pontuar nesses dois grupos, estratificando-os transversalmente em algumas características combinadas.
Inerente aos dois conjuntos, há os que (minoria da minoria) se movimentam por motivações prioritariamente republicanas (do interesse geral da sociedade), honrando a representação popular a si delegadas, e aqueles que, diferentemente (ampla maioria), subordinam toda e qualquer participação legislativa aos interesses próprios e aqueles corporativos de seus financiadores e/ou “comparsas” de ocasião, sem qualquer outro intento que a sua reeleição seguinte, o enriquecimento ilícito e a permanência ad aeternum nos espaços do poder – com o gozo dos privilégios inerentes.
O quadro final dessas combinações é desolador (se não, estarrecedor!): seja a ampla maioria dos deputados federais, quanto a dos “vereadores nacionais”, ambas agem e conspiram, o tempo todo, em favor da reprodução do consuetudinário status quo – marcado pela dominação do establishment patrimonialista – e não dos interesses da nação, do universo de eleitores que careceriam representar – a quem devem, ao fim e ao cabo, os seus próprios mandatos.
Com desenho anatômico um tanto quanto diverso ao da Câmara baixa, na aparência, ainda que com idêntica índole e “pendor motivacional” na substância, configura-se, a seu turno, o Senado Federal, cujo desempenho histórico, para além da contribuição ao equilíbrio representativo entre as unidades federativas – sua função primeva assente na Carta Magna –, parece ratificar, interna corporis, em semelhante grau e equivalente proporção, a mesma subclassificação de sua correlata congênere, corroborando, pelos próprios “frutos” e “estilo” de sua atuação, análoga e alarmante patologia.
Resultado do diagnóstico: ao invés de um regime democrático de insígnias republicanas – como definido na Constituição “Cidadã” –, impõem-se (na prática) aquele de têmperas oligárquicas e divisas descaradamente cleptocráticas, impermeável à vontade popular, descompromissado com o bem comum e (vergonhosamente) protegido em sua impunidade – ainda que formalmente travestido de “democracia” e de “república”.
Desde a alcunha consagrada pelo cientista político Sérgio Abranches, em célebre artigo publicado em 1988, toda essa farsa passou a ser denominada de “presidencialismo de coalizão”: um eufemismo de viés acadêmico, cujo conceito confere condimento e “glamour” ao insidioso e exorbitante fenômeno.
Não é, pois, surpreendente que, na moldura desse quadro notoriamente patológico, um Rodrigo Maia ou um Alcolumbre da vida (“Nhonhos” e “Batorés”) queiram, sem qualquer legitimidade, capturar o comando do país, posando de “Primeiro Ministro” ou de “reizinho” em suas grotescas bufonarias; ou que corruptos cediços e réus contumazes assumam o comando de CPIs, posando, disfarçadamente, em cúmulo escárnio, de regentes “virtuosos” e comandantes “ilibados”; tampouco que a chantagem a Presidentes da República – na contramão da ética republicana – tenha se tornado a moeda de troca habitual dos insondáveis e cabulosos “acordos” políticos planaltinos.
Fato é que, no Brasil, por conta de toda essa distopia, a anomalia sistêmica se impôs, em definitivo, como bizarro e doentio “modelo político”: o Legislativo, ávido de poder e vantagens, ao invés de se restringir a legislar, governa; o Judiciário, ao contrário de tão somente julgar, legisla; e o Executivo, refém de ambos, trafica cargos e favores para manter a falsa “governabilidade”, num jogo de ilusionismo perante uma plateia alienada e ignara, reduzida a mera expectadora de circo – continuamente manipulada pelos grandes meios de comunicação, sócios tradicionais de tão despicienda e sorrateira tramoia.
E assim segue o Brasil, em pleno século XXI, subsumido a uma falsa “democracia” e a um simulado “presidencialismo”, onde quem governa não é nem o povo (por meio de representantes solidários), nem o Presidente da República – acossado e chantageado pelos arroubos delinquentes de pretensos “Primeiros-Ministros”, secundados por pares nauseabundos de todos os calibres.
E tudo – o que é ainda mais grave! – com a anuência e o endosso codelinquente de pérfidos e indecorosos monarcas de toga – garantidores, em “última instância”, da vigente e indignante cleptocracia delitosa.
Sim, o Poder Legislativo se encontra, há muito, com suas “células” e “tecidos” irremediavelmente degenerados, de tumoração maligna notoriamente avançada, a ameaçar de morte – pela corrupção metastática – todo o organismo social e político nacional.
Pois – como já observara a filósofa russo-judia Ayn Rand (1905 - 1982) – quando fica perceptível que as leis já não protegem os cidadãos honestos dos aleivosos corruptos, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos dos homens dignos e honrados; ou quando fica patente que a corrupção é sistematicamente recompensada e a honestidade se converte em permanente auto sacrifício, então pode-se afirmar, sem temor de errar, que a sociedade está, definitivamente, condenada.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
Jornal da Cidade
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