Jornalista Andrade Junior

domingo, 8 de setembro de 2024

Um corpo estendido no chão

   Percival Puggina


Tá lá o corpo estendido no chão.

Em vez de rosto, uma foto de um gol.

Em vez de reza, uma praga de alguém.

E um silêncio servindo de amém.

(João Bosco)

         Os versos de João Bosco cruzam minha mente com frequência nestes últimos anos. Leio a manchete do dia e a canção me ressoa, triste. Há algo morrendo em nosso país, não é pouca coisa e não, não vou falar dos cada vez mais improváveis e difíceis gols de um futebol que perde qualidade. Afinal, a qualidade, como tudo mais, está indo embora assim que pode.

 

Outro dia, escrevi sobre a necessária aprovação da anistia para os presos e condenados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Houve dois tipos de objeção: uns consideraram a anistia injusta porque deixaria impunes demasias e injustiças praticadas contra os réus; outros consideraram inconveniente a impunidade dos crimes de grave lesão ao patrimônio público que todos presenciamos. São confusões que se explicam com a autópsia destes exóticos tempos políticos. A democracia exige o olhar zeloso do cidadão sobre as ações do Estado. Se essa atitude ainda exibisse sinais vitais, todos perceberiam que anistia é um instrumento da Política e não da Justiça. Se ficarmos discutindo Justiça com os justiceiros de qualquer banda, jamais haveria anistia e as crises se perpetuariam. Já contamos dezenas delas em nossa litigiosa vida republicana!

“Pode a Justiça atender à conveniência política e abrir mão de sua obrigação de punir?”. Se essa pergunta está sendo formulada pelo leitor eu sugiro que saia das narrativas leia os fatos dos últimos anos. Por outro lado, o bem comum, o bem de todos – a que se acrescem os bens naturais, materiais, culturais, institucionais e civilizacionais de uma nação – cria a proximidade e o necessário diálogo entre o Direito e a Política.

O histórico do recente caso das determinações e sanções por descumprimento impostos à plataforma X, proibindo-a no país, faz pensar. É no exercício desse direito que pondero notável desproporção entre o fato gerador da sanção (o grave descumprimento de uma ordem judicial) e a consequência que deixou mais de 20 milhões de cidadãos, empresas e serviços públicos sem acesso aos serviços prestados, também, pela Starlink.

Que digam os juristas: não há limite no plano das consequências? Afinal, a plataforma é fonte de serviços e fonte primária mundial de notícias, onde os fatos chegam pela palavra de seus agentes – chefes de Estado, o Papa, governantes, pessoas de ciência e saber, comunicadores e, até mesmo, ministros do STF. E se fosse abastecimento de água ou energia, ou bens essenciais ao consumo? Qual a essencialidade do direto à informação?

Não terá chegado a hora de olhar para quanto já tombou e está lá, estendido no chão, como parte do conjunto de bens que já tivemos e estamos perdendo sem entender bem por quê?









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