Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

STF define critérios para a concessão judicial de medicamentos não incorporados à lista do SUS.

 Como será a partir de agora?       Luiz Guedes


 O Supremo Tribunal Federal – STF concluiu recentemente (setembro de 2024) o julgamento do Tema 6, cujo mérito do RE 566471 foi julgado em março de 2020.


No julgamento, o STF definiu os critérios que devem ser observados pelo magistrado ao analisar o pedido de concessão de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, porém que não estejam incorporados ao Sistema Único de Saúde – SUS.


Nesses casos, o autor deve comprovar na ação judicial, entre outros requisitos, os seguintes:


que não tem recursos para comprar o medicamento;


que o medicamento não pode ser substituído por outro da lista do SUS;

que a eficácia do remédio está baseada em evidências;

que seu uso é imprescindível para o tratamento.

Os requisitos são cumulativos, isto é, precisam estar todos presentes para que o magistrado possa deferir o fornecimento do medicamento. Quando houver o deferimento, o juiz deve oficiar aos órgãos competentes para esses avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.


As premissas analisadas para a fixação do Tema 6 foram a escassez de recursos, eficiência das políticas públicas, a igualdade de acesso à saúde, o respeito à expertise técnica e à medicina baseada em evidências.


Não se discorda que a gestão dos recursos públicos deve ser feita levando em consideração a aplicação racional dos recursos. Contudo, também pode se aplicar a racionalidade no emprego dos recursos públicos sem ferir a igualdade de acesso à saúde, o respeito á expertise técnica e à medicina baseada em evidência, através de uma distribuição diferente do ônus da prova.


O que se quer dizer com isso? Atribuir o ônus de provar que o medicamento não pode ser substituído por outro da lista do SUS, que a sua eficácia está baseada em evidências e que seu uso é imprescindível para o tratamento do autor significará, na prática, a ineficácia do processo judicial para a busca do fornecimento do medicamento porque a grande maioria dos promoventes não terá condições técnicas e financeiras para produzir tais provas.


A produção de prova que comprove, por exemplo, a eficácia do medicamento baseada em evidências é difícil e custosa. Consultando uma publicação da UFRS, constata-se que as “melhores evidências sobre a eficácia e segurança de medicamentos podem ser sumarizadas por meio de revisões sistemáticas, com ou sem metanálise, desenvolvidas com elevado rigor metodológico”. Contata-se que não é algo trivial, que necessita da assistência de profissional qualificado para a realização de tal análise, e de forma periódica.


 A aludida publicação da UFRS reconhece a complexidade da questão:


[…] diversos fatores tornam a questão ainda mais complexa: elevado número de medicamentos registrados no país; necessidades clínicas não atendidas pelos medicamentos disponíveis nas listas do SUS; elevados custos de tratamentos recém-lançados no mercado; e interesses econômicos de diversos tipos.


E, para que se alcance a melhor análise sobre a eficácia de medicamento baseada em evidência, é imprescindível que “as evidências sejam disponibilizadas pela academia, pela indústria farmacêutica e pelas agências regulatórias de medicamentos de forma completa e transparente” (grifo meu).


A disponibilização das evidências de forma completa e transparente será um enorme desafio, pois a praxe é a existência de assimetria das informações entre os diversos entes que participam do mercado.


Diante da complexidade da prova, o processo alcançaria mais facilmente o fim social a que se destina se o ônus da prova fosse atribuído ao ente estatal, que deveria apresentar prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil.


Isso facilitaria, inclusive, a concessão de tutela de urgência, que poderia ser revista quando o promovido apresentasse com a contestação provas de fato que impedisse, modificasse ou extinguisse o direito do promovente (cidadão que busca o medicamento).


Vale destacar ainda que o paciente que judicializa a questão encontra-se em uma situação de extrema vulnerabilidade, com a necessidade do uso imediato de medicamento, geralmente com risco de morte iminente caso o tratamento não seja logo iniciado.


Não advogo afastar a racionalidade no emprego dos recursos públicos através das decisões judiciais, porém entendo que dificulta sobremaneira a prestação jurisdicional que resulte no deferimento do pleito do cidadão que necessita dos medicamentos de alta complexidade e elevado custo a atribuição do ônus da prova, nos moldes decididos pelo STF, ao autor da ação.


Alcançaria mais a finalidade social do processo judicial se o ônus da prova fosse atribuído ao promovido, ente estatal que tem mais recursos financeiros e técnicos para fazer a prova contrária, do que incumbir o autor, pessoa física e doente, em estado de extrema fragilidade, de comprovar todos os requisitos estipulados pelo STF.


E você, o que pensa sobre o assunto? Deixe nos comentários a sua opinião.


Processo para consulta: RE 566471


Abaixo, transcreve-se a íntegra da tese de repercussão geral fixada (Fonte: site do STF):


1 – A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.


2 – É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:


(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral;


(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;


(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;


(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;


(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e


(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.


3 – Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:


(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;


(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e


(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.


*      O autor é advogado, pesquisador e professor de Direito.

















publicadaemhttps://puggina.org/outros-autores-artigo/stf-define-criterios-para-a-concessao-judicial-de-medicamentos-nao-incorporados-a-lista-do-sus-como-sera-a-partir-de-agora+__18359

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