Jornalista Andrade Junior

domingo, 8 de setembro de 2024

É o 26! É o 26! A história da candidatura de Sílvio Santos à Presidência da República em 1989

 OTÁVIOFERRARI/INSTITUTOLIBERAL


Em 17 de agosto de 2024, faleceu, aos 93 anos de idade, o lendário comunicador e apresentador Sílvio Santos. Dono de um carisma irresistível e de uma alegria cativante, por seis décadas animou os palcos das televisões e rádios do Brasil. Seu legado, no mínimo nesse campo, é eterno e inigualável.

Um aspecto menos comentado, no pano de fundo das merecidas homenagens, é a carreira política de Sílvio Santos. Quase todos os presidentes eleitos após o regime militar estiveram, em um momento ou outro, em seus programas. Na virada da década de 2010, as dificuldades do Banco Panamericano também fizeram o notável apresentador aparecer na seara política. Todavia, todas essas questões ficam pálidas diante de sua candidatura à presidência do Brasil em 1989, que merece o devido tratamento e reflexão.

A eleição presidencial de 1989 foi histórica e singular em diversos pontos. O mais notável deles era o aguardado retorno da população às urnas. Por duas décadas, os presidentes da República foram escolhidos pelo Congresso. Porém, na estrada pavimentada pelas Diretas Já, o voto popular era amplamente aguardado para o pleito daquele ano, o que gerou enorme expectativa na escolha de candidatos para o cargo mais alto do país. Para todos aqueles abaixo de 47 anos de idade, era a primeira eleição presidencial em que eles votariam para a Presidência da República.

Até os dias atuais, a eleição de 1989 é, de longe, a que mais teve postulantes ao cargo de presidente da República. Ao todo, 22 candidatos concorreram no pleito. Destes, podemos destacar dois presidentes da República (Lula e Fernando Collor), seis governadores (Collor, Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf, Ronaldo Caiado e Aureliano Chaves), fora personalidades-chave da história do Brasil, como Roberto Freire (atual presidente do partido Cidadania), Ulysses Guimarães (eterno presidente da Câmara) e Enéas Carneiro (figura folclórica do Partido da Reedificação da Ordem Nacional [PRONA]). Diante de um cenário com muitas personagens de renome nacional, qualquer voto penderia a balança para um lado ou para o outro.

Outra curiosidade foram os primeiros debates televisivos entre os candidatos. Neles, a verve de muitos dos candidatos, a troca de acusações e as respostas rápidas foram de grande popularidade. Como não se interessar pela notável disputa entre Paulo Maluf e Leonel Brizola, com o último chamando inclusive o público de “filhotes da ditadura”, e o primeiro retrucando afirmando que o gaúcho “passou quinze anos no estrangeiro e não aprendeu nada”? Ou as comparações entre Lula e Collor no segundo turno (Lula era o “Pinóquio”, enquanto Collor era um animador de palco no programa da Xuxa Meneghel)? Muitos outros eventos poderíamos citar aqui!

Todavia, um dos maiores acontecimentos da eleição se materializou no dia primeiro de novembro de 1989. Os jornais anunciavam a candidatura relâmpago, faltando quinze dias para a eleição, de Sílvio Santos à presidência da República, pelo minúsculo Partido Municipalista Brasileiro (PMB), substituindo Armando Corrêa, que havia desistido. Apesar de tratativas anteriores com outros partidos e candidatos, o que era um rumor se confirmou. E uma bomba nuclear explode nas campanhas de seus adversários.

Até o dia do anúncio, o cenário já era meio que previsível para a eleição do dia da Proclamação da República (o que aconteceu na realidade). Collor (PRN) era o líder das pesquisas, enquanto, mais atrás, Brizola (PDT) e Lula (PT) disputavam a tapa (e a voto) o ticket esquerdista para o segundo turno. Depois deles, correndo por fora, estavam Covas (PSDB), Maluf (PDS) e Guilherme Afif Domingos (PL). Porém, com a chegada de Sílvio Santos à disputa, o cenário se altera drástica e imediatamente. Ao tirar votos de todos os candidatos, o apresentador saltou para uma inquestionável liderança nas pesquisas, maculando as chances de Collor e alijando a esquerda do segundo turno. Com tamanha reviravolta, a reação teria que ser rápida e precisa, caso algum outro salteador sonhasse com o trono do Planalto. Não havendo espaço político, eleitoral ou publicitário para o embate com Senor Abravanel, restava a via do Judiciário.

A primeira onda de questionamentos jurídicos acerca da candidatura de Sílvio Santos foi por via de um embate direto. Alegou-se que ele não poderia concorrer ao cargo, uma vez que era dono de uma cadeia de televisão, abusando de seu poder econômico e midiático. Porém, este questionamento (com certeza já esperado) foi devidamente bloqueado quando o apresentador apontou, com documentos devidamente registrados, que era acionista e não diretor, administrador ou representante legal do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Morre o ataque central.

O muro Sílvio Santos parecia impenetrável, como as muralhas de Tróia. Era necessário um outro método, ou um outro Odisseu, para transpassar esse muro. O Odisseu dos demais candidatos veio, na forma de um correligionário de Fernando Collor: o até então desconhecido Eduardo Cunha (você se lembra dele? Sim! O mesmo presidente da Câmara que deu início ao impeachment de Dilma Rousseff). Ele levou para dentro dos muros de Sílvio Santos o cavalo que iria desmontar a sua candidatura. Os ataques não eram direcionados ao apresentador, mas ao Partido Municipalista Brasileiro. Em poucas palavras, eis a tese jurídica: a candidatura de Sílvio Santos não poderia prosperar, pois o partido dele estava extinto aos olhos da lei eleitoral. Nas filigranas minuciosas da legislação, um partido, para existir, precisava realizar convenções em nove estados da federação para conseguir o registro definitivo. O PMB havia feito essas convenções em apenas quatro estados. O que aconteceria no veredito do dia 09 de Novembro de 1989, seis dias antes do pleito?

O resultado atingiu a campanha de Sílvio Santos como que em um anticlímax. Se antes era praticamente garantida a chegada ao segundo turno, e provavelmente uma vitória ao final do certame, o veredito foi unânime em derrubar a candidatura. Não adiantou argumentar que o processo para o registro definitivo já estava em andamento. Igualmente, não se estranhou, até poucos dias antes, a continuidade da candidatura de Armando Corrêa pelo mesmo PMB, sem qualquer óbice. Outra questão: diante da miríade de candidatos que concorreriam à eleição por partidos minúsculos, todos os outros seguiram na eleição, sem qualquer aplicação das mesmas filigranas minuciosas da lei eleitoral? Perguntas, perguntas, perguntas… Pouquíssimas respostas claras.

Agora passemos a um exercício desconfortável a todo e qualquer historiador: “E se?”. O que aconteceria se, no dia 15 de março de 1990, ao invés de Fernando Collor empossado, tivesse Sílvio Santos recebido a faixa do presidente José Sarney? Qual o caminho da economia, assolada à época pela inflação galopante? Qual a sua
relação com a classe política de Brasília? A história nos barra a uma resposta definitiva, mas algumas migalhas nos permitem imaginar um possível governo de Sílvio Santos.

A verdade é que, a partir de declarações e posicionamentos de Sílvio Santos, bem como diante das suas relações com figuras políticas, não há resposta clara. É importante ressaltar que muitos presidentes da República passaram por seu programa, de Lula a Bolsonaro. Da mesma forma, inúmeros políticos, das mais
variadas ideologias, já estiveram em seus programas. Igualmente, o próprio apresentador desafia qualquer definição em suas falas, com uma boa dose de senso comum e de histórias de sua longa e prodigiosa vida. Seu companheiro de chapa, Marcondes Gadelha, em seu “Sonho Sequestrado”, que narra a história dessa campanha, argumentava que o apresentador representaria um “Populismo de Centro”.

Muitas variáveis, todas elas impossíveis de testar. Só Deus sabe. Todavia, uma quase certeza se impõe sobre as variáveis acima citadas. Dificilmente o apresentador embarcaria na aventura perniciosa do confisco das poupanças realizadas por Zélia Cardoso de Melo e Fernando Collor. Seu contato tête-à-tête com a população em seus programas, a sua consideração por seus empregados (como o caso do jornalista Carlos Nascimento demonstra) e a sua história pregressa como camelô quase que certamente bloqueariam tamanho crime que
foi realizado pelo Plano Collor.

A candidatura de Sílvio Santos apareceu e sumiu como uma estrela cadente, com todas as qualidades de brilho, fascínio e igual velocidade de dissipação. Em poucos dias, o mundo de Brasília foi lançado de cabeça para baixo, e novamente de baixo para a cabeça. O caso do apresentador, até hoje no Brasil, é único. Diante do
seu falecimento, e da comoção nacional que se sucederam, talvez os eventos tiveram um dedo providencial de Deus, dando livramento a ele, para que não entrasse na seara de críticas e polarização que inevitavelmente se segue a qualquer carreira política, e permanecesse a figura unânime que foi em vida, e que agora é cristalizada
com sua morte. Descanse em paz, Sílvio Santos.

*Otavio Ferrari Piaskowski é Licenciado em História pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Especialista em Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil (IMB) e Graduando em Teologia pela Faculdade Batista do Paraná (FABAPAR).












PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/historia/e-o-26-e-o-26-a-historia-da-candidatura-de-silvio-santos-a-presidencia-da-republica-em1989/

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