Rubem Sabino Machado
“Todas as cartas de amor são ridículas”, diria saudosa pessoa, digo, Pessoa, mas sem discordar, preciso apenas ressalvar: mas só as canções de amor são pra sempre...
Li, um dia uma crônica que, por estar em um imemorial jornal de papel – sim isso já existiu – nunca mais achei: não está nas redes.... Ela falava justamente disso e, um dia, aquela a quem dedico todas as canções do título, sugeriu – por que você não escreve a sua?!
Anos se passaram, muitas canções de outros temas não fazem mais sentido, mas a crônica das canções de amor não me saía da cabeça: elas são mesmo pra sempre. E pareciam que ficariam eternamente em minha mente sem saírem pro papel.
Eu não tinha inspiração mas, um dia, estava de Roupa Nova: “Não faz mal não ser compositor, se o amor valeu, eu te empresto um verso meu, pra você dizer”, aceitei a oferta do Serginho e abusei: comecei com essa estrofe inteira. Que outras canções que não as de amor farão sempre sentido ou, ao menos, o mesmo sentido após anos, décadas, séculos? No futuro, outros dois, que sejam, não terão esquecido os “detalhes tão pequenos”, enquanto que um outro, e não o Roberto, “deve estar falando ao seu ouvido palavras de amor” pelo airpod.
Saudades quase sempre têm a ver com distância ou, ao menos, com distanciamento. Minha mãe um dia disse que tanta música fala em “so far away”. E é verdade: desde a bela canção do Dire Straits passando pelo Roxette, Rod Stewart e até pelos cacófatos do Leone..., um chato, mas com belas canções românticas.
Sting, você pode inventar hoje uma historinha de stalker: pra negar as óbvias hipérboles românticas daquela música, pra parecer politicamente correto em um tempo em que fingem não entender figuras de linguagem (uns não entendem mesmo), mas, meu caro, “every word you say, I’ll be watching you”. E quando você tiver partido, românticos ainda estarão perdidos de amor, com o coração doendo, sem restar um traço sequer dessa sua explicação fajuta do sentido da canção. Faz menos sentido que o Djavan explicando “Açai, guardiã” cuja razão para ouvir está na performance apaixonada do cantor, na melodia romântica e em trechos como “Solidão”, “Coração sangrando”, “Ilusão”, “A paixão” que a tornam uma canção de: “adivinha o quê”?! – e não estou me referindo a outra romântica, mas bem humorada de um Lulu cujo passado é o de um “último romântico”...
Aliás, canções de humor podem perder a graça no futuro, esquecido o contexto, ou serem curtidas só pela musicalidade ou perderem a graça ao se descobrir o significado: ou você sabia que Psycho Killer era sobre um assassino cruel que ligava gaguejando e enforcou crianças cuja mãe acabou indo pra França? Preferia não saber dessa, né? Eu também...
É. Só as canções de amor são pra sempre. Até as bregas que ficaram na nossa lembrança, quiséssemos ou não, ficaram por causa do amor. De que fala “Evidências”: a mais pedida nos karaokês? E você acha mesmo que a conversa com o garçom seria lembrada se o grande amor de alguém não fosse se casar e não tivesse mandado uma carta para cruelmente avisá-lo? Ou que alguém pensaria num Fuscão preto se ela não estivesse com outro “pela cidade a rodar”. Cá entre nós: você teria curtido “Coisa Cristalina” do Wando, teria jogado calcinhas pra ele, teria desejado “da prisão dessa ternura nunca mais sair” se soubesse que a prisão era o vício de drogas de um amigo que não as abandonava por curtir ver uma luz e essa “coisa cristalina”? Não!!! Você curtiu porque, pra você, era sobre amor. E acha brega mas sabe a letra inteira dela, dela e de “Fogo e paixão”: que trata de quê, mesmo?
Alguém virá defender as canções de protesto, e eu chamo o Rauul: “todo mundo tem que reclamar”. Elas até têm lá o seu valor, mas não são pra sempre: passado um tempo, ninguém sabe mais o contexto e não fazem mais sentido além da forma. Às vezes nem para os autores: um “Cale-se” pode se tornar um mero cálice, mas de cristal, cheio de vinho importado, com pelos menos 4 prêmios internacionais e usado, em Paris para brindar à censura: se esta for contra... “eles”. Apesar de todo o seu talento, apesar de você negar o que já defendeu, apesar de revelar quem você é de verdade, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”: um dia em que esse verso será apenas sobre uma mera briga de namorados e as pessoas só entenderão o sentido pretendido: se for das suas canções de amor.
Só as canções de amor são pra sempre, só elas serão compreendidas a qualquer tempo, por quaisquer pessoas, em qualquer lugar, seja numa galáxia muito distante ou num “sofá: so far away”, ou num “show de rock and roll” com uma anônima bem mais alto astral e divertida que a Mônica, que era chata – o filme só confirma—mas amava o Eduardo, ou num “trem azul” junto com a “Irmã do Dr. Robert” e, não aceitar isso seria apenas negar as aparências, disfarçar evidências, fingir e enganar seu coração e a nós para, depois, naquele dia em que você quase pode “tocar o silêncio”, com o rosto dela “em pedaços, misturado com o que não sobrou”, admitir pra si mesmo:
I’ll never let you see
The way my broken heart is hurting me
I have my pride and I know how to hide
All my sorrow and pain:
I do my crying in the rain
(A-ha)
publicadaemhttps://www.puggina.org/outros-autores-artigo/so-as-cancoes-de-amor-sao-pra-sempre__18536





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