Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Epílogos de uma filosofia perversa (II)

  Valdemar Munaro


G. W. F. Hegel (1770 – 1831), como dissemos, foi favorecido pelo rei prussiano, Frederico Guilherme II, para ser professor e reitor da universidade de Berlim, em 1818. A submissão da filosofia a instrumento de regime político fez Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), contemporâneo, denunciar a inauguração de uma era idealista, escandalosa, de 'desonestidades'.

Com efeito, a filosofia idealista hegeliana, se prestou eficazmente para ser ovo de serpente e útero do marxismo. Seu 'modus operandi' atingiu a espinha dorsal da diaconia científica roendo a devoção do pesquisador pela verdade. Desde então, encharcados de idealismos imorais, pensadores e agentes sociais, políticos e jornalistas, juristas e teólogos, cientistas e pesquisadores passaram a regurgitar frutos insensatos das inteligências destruídas.

Hegel ensinou, despudorada e metodicamente, a enlamear o pensamento nas arenas políticas, sem perder a vergonha nem sentir remorso. As honestidades cederam lugar aos salamaleques de ocasião, conveniências e incensos dirigidos a 'camaradas' e 'companheiros'. Desde o ofício hegeliano, o número de intelectuais bajuladores cresceu exponencialmente e os 'caras de pau' se triplicaram. O amor e a dedicação a ideias necrosadas aumentou assustadoramente pondo em risco a sanidade mental dos mais inocentes pensadores. Basta observar que muitos ainda insistem cortejar leninismos, stalinismos, chavismos, castrismos, petismos, kirchnerismos, nazismos, comunismos, socialismos, etc., feitos de ideias e experiências práticas historicamente fracassadas e assassinas. A decadência, fruto abjeto de servilismos, revela carcaças imorais que rondam como zumbis a seara cultural.

É, porém, através da metafísica hegeliana que podemos identificar mais claramente os perversos princípios filosóficos e intelectuais que a acomete. Um deles é o da dialética. Etimologicamente, o termo 'dialeticai tecné' referia-se à arte de discorrer, discutir ou raciocinar. Tratava-se, portanto, de um mecanismo essencialmente argumentativo, situado no interior da racionalidade humana como mediador e dilatador dos assuntos tratados. Os 'dialetos', com efeito, se tornaram vertentes linguísticas-culturais expandidas ou dilatadas.

Os gregos foram mestres na arte da dialética e a empregavam para ampliação e esclarecimentos de discussões, diálogos e oráculos. Péricles, Sólon, Heráclito, Protágoras, Sócrates, Górgias, Isócrates, Demóstenes, Platão, Teofrasto, Aristóteles, Sófocles, Ésquilo, etc., artistas da dialética, manuseavam-na para estender e aprofundar conhecimentos e ideias.

Também os medievais em nada menores na utilização de argumentos e raciocínios discursivos, pela arte dialética deram origem às monumentais 'Quaestiones Disputatae', sínteses filosóficas e Summa Theologiae.

Com a chegada de Hegel, no século XIX, porém, a ordem se inverteu. O mentor do monstruoso idealismo ocidental que herdamos deslocou a dialética do seu nicho lógico para o âmbito da vida extramental. Ao invés de ser um adjetivo da inteligência, Hegel a elevou à condição de verbo do mundo real. Ou seja, por um decreto hegeliano, a dialética passou do estado lógico para o ontológico numa oposição demencial à metafísica aristotélica-tomista.

O que Hegel elaborou, segundo Schopenhauer, se assemelha ao descarrilamento de um manicômio fabricante de psicopatias. O que era para ser mera metodologia racional, passou a ser tratado como princípio intrínseco do mundo real. "O ponto principal a destacar, diz textualmente Hegel, é que não é só nos quatro objetos particulares tomados da Cosmologia que a antinomia se encontra: mas antes em todos os objetos de todos os gêneros, em todas as representações, conceitos e ideias. Saber disso, e conhecer os objetos segundo essa propriedade, faz parte do essencial da consideração filosófica. Essa propriedade constitui o que se determina mais adiante como o momento dialético do lógico" (Enciclopédia, I, Par. 48).

O resultado foi a fomentação e a fermentação de doutrinas guerrilheiras, cujo conteúdo e metodologia dialéticos passaram a ser compreendidos como parte integrante de uma mesma realidade movediça e conflitiva. "Entendemos por dialética, diz o historiador E. Colomer, uma teoria geral que afirma o caráter intrinsecamente móvel ou mutante da realidade em virtude de alguma negação, e por método dialético um estilo de pensar que procede mediante negações, precisamente porque supõe que a realidade é em si mesma dialética, ou seja, que se move mediante negações".

Assim, se tudo o que existir está assentado ou edificado sobre a dialética, também o serão, por consequência, a história, a política, o espírito e a matéria, a vida e a morte, o céu e a terra. Tudo, portanto, segundo Hegel, está, energeticamente, constituído e guiado pela lei dialética na qual e da qual nada, nem ninguém pode se subtrair. Somos, pois, seres essencialmente feitos de contradição e antagonismo, negação e afirmação. A natureza, a matéria, o espírito, o cosmos, tudo, enfim, hostiliza-se consigo mesmo e com os outros numa contínua e mútua intriga incapaz de apaziguamento e autodestruição. A realidade inteira, encharcada de luz e treva, bondade e maldade, escravidão e senhorio, domínio e submissão, poder e fraqueza, amor e ódio, vive o inferno de si mesmo, num percurso indestrutível e sem fim. A lei dialética, implacável e absoluta, substituiu a Deus.

Em palavras acomodadas e vulgares, pode-se dizer que a dialética significa, para Hegel, justamente o convívio existencial dos seres entre si, no caos e na ordem, na negação e na afirmação, na ruína e na edificação, ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Inevitável e necessária, a dialética é o movimento antagônico histórico e político, cosmológico e espiritual de todos os seres consigo mesmo e com os negativos de si. Karl Marx agarrou com afinco essa ideia e a injetou no seu sangue marxista. Os agentes revolucionários mais próximos, Lênin e Stalin, chamaram justamente o marxismo de materialismo histórico e dialético.

Por essa razão, os conflitos, segundo o pensamento hegeliano, não devem nos assustar, nem, tanto menos, infortúnios e confusões que surjam, pois são sazonais e decorrentes do processo histórico. Contudo, como se conclui, se a dialética for histórica, jamais teremos a paz, nem o comunismo virá, nem o fim dos tempos e dos conflitos; mas se, porventura, o comunismo vier a acontecer, significa, então, que a análise da história está absolutamente equivocada.

Ou a dialética é real e jamais teremos paz, ou a paz é real e possível e a dialética uma grande mentira. Marxistas e hegelianos, porém, apreciam sobremaneira a presença de conflitos e jamais se empenham em diminuí-los, pois os veem como inevitáveis e necessários. Não se importam, tampouco, com as contradições. A paz, segundo eles, não virá dos processos civilizatórios, nem das diplomacias, muito menos de Deus, mas do cansaço e do esgotamento humanos.

Como se observa, a dialética hegeliana, numa tacada, pretendeu resolver o problema da iniquidade, da morte, do pecado e do sofrimento trazendo-os para o meio do sistema como membros legítimos do progresso. O mal, na perspectiva de Hegel, não deve ser tratado como 'malvado', mas como um ilustre hóspede, tão necessário e útil quanto o Bem. Hegel valorizou a mentira tanto quanto a verdade, a feiura tanto quanto a beleza, o mal tanto quanto o Bem por seus papéis dialéticos. Assim, segundo Hegel, se a maldade for tratada como necessária, aprenderemos ser possível extrair de sua presença, vantagens progressistas. É de enlouquecer.

Nas suas preleções sobre a filosofia da história, Hegel escreveu "O pensamento geral, a primeira categoria que emerge da contemplação das vicissitudes dos indivíduos, povos e estados, que por algum tempo existem... e desaparecem, é a categoria da mudança... A visão das ruínas de uma antiga potência nos induz imediatamente a considerar esta ideia de mudança no seu aspecto negativo. A esta categoria de mudança está, porém conectado em seguida também o outro motivo, que da morte surge a vida".

Dentre todos os filósofos, Aristóteles (322 a. C.) foi o que observou com perspicácia quanto imprescindível e eficaz é, à honestidade e à saúde intelectual de qualquer pensador, o respeito que se deve ter pelo princípio de não contradição. Essa lei "nos ordena a evitar contradizer-nos, seja em nossas palavras, seja em nosso pensamento. Ela nos diz que não devemos responder a uma questão dizendo simultaneamente sim e não. Dito de outro modo, ela nos diz que não devemos afirmar e negar a mesma proposição" (M. Adler). Aquele que se contradiz no que diz e no que faz, não é digno de credibilidade.

Hegel converteu-se no maior inimigo metafísico da filosofia de Aristóteles, justamente por ignorar e desprezar o que o estagirita diagnosticou. A contradição rejeitada e combatida por Aristóteles, tornou-se pela filosofia hegeliana, uma hóspede ilustre da razão por meio da qual, intelectuais inescrupulosos e hipócritas deram vazão às suas psicopatias.

Vê-se que o hegelianismo escancarado e escandaloso se ajusta às contradições de feministas inocentando estupradores, guerrilheiros proclamando-se pacíficos, comunistas zelando por suas economias privadas, pedófilos protegendo crianças, ditadores dizendo-se democratas, narcotraficantes combatendo ilícitos, corruptos vestindo-se de honestidade, larápios caçando ladrões, mentirosos perseguindo mentiras, tresloucados julgando lúcidos, raposas guardiãs de galinheiros, homossexuais bajulando próprios matadores, terroristas condenando o terror, herdeiros de valores judaico cristãos apoiando o antisemitismo , etc.

"O que é mais perturbador nos psicopatas, diz Kenneth Francis, tanto na realidade quanto no mundo da ficção, é que eles não acreditam ser loucos".
Quem nos libertará desse curral de contradições e hipocrisias hegelianas em que nos encontramos?

Santa Maria, 








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