Percival Puggina
Como se constrói uma “narrativa” ao gosto de quem a queira, usando fatos reais? Conto, aqui, o que aprendi sobre a tal “trama golpista” enquanto revia fotos de 2012 tomadas durante longa viagem pelo interior da França. Naquele ano, ao planejar nossas férias, minha mulher e eu concluímos que a melhor essência daquele país estava em suas pequenas cidades medievais. Identifiquei haver 70 cidades nessa categoria e precisei escolher 25. Solução: descartei todas que não cabiam no meu roteiro. Bingo! A constatação esclareceu um ponto muito importante sobre a trama que teria eclodido em 8 de janeiro de 2023.
Organizei, então, uma lista com os principais acontecimentos políticos brasileiros no período entre 1º de janeiro de 2019 e aquela fatídica data (governo Bolsonaro e primeiros 8 dias do governo Lula). Ficou fácil perceber algo muito interessante sobre a narrativa oficial da “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado”:
dos inúmeros acontecimentos e tensões políticas do período, os autores da narrativa escolheram os que convinham e descartaram os que não convinham!
Ou seja, com integral apoio da velha imprensa, selecionaram apenas fatos relacionados à direita e ao bolsonarismo. Sequer mencionam a existência do STF, do TSE e de seus ministros!
Tudo se passa como esse poder de Estado, que se assumiu como político e desenvolveu intenso protagonismo, se mantivesse passivo em seu devido lugar de estar, sem ativismo e sem “excepcionalidades” típicas de um regime de exceção.
Para ilustrar, ao final deste artigo, mostro uma lista de acontecimentos relevantes do mencionado período, buscados no Google, Wikipedia e ChatGPT. Uma lista completa seria ainda muito mais extensa.
É interessante perceber que do mesmo modo, pelo viés oposto, excluindo-se da mesma lista de fatos o bolsonarismo e a direita, tem-se a nítida formação de um regime de exceção sob comando do STF. Não por acaso, a partir do 8 de janeiro de 2023, ele apenas ganhou força e o Congresso nada mais decide sem, antes, pedir bênçãos ao Supremo... Tanto uma narrativa quanto a outra peca por excluir as interações e as motivações recíprocas das forças políticas em choque. Pense nisso. Também por isso a anistia é indispensável.
Fatos relevantes do período 2019-2022
- Ano de 2019
- Congresso debate reforma da Previdência.
- Tragédia de Brumadinho.
- Prisão de Michel Temer no inquérito da Lava Jato.
- À margem do Legislativo, STF começa a debater homofobia e transfobia; meses depois cria tipo penal por analogia ao racismo.
- Ministro Dias Toffoli censura site O Antagonista e a Revista Crusoé pela matéria sobre “o amigo do amigo de meu pai”.
- Ministro Dias Toffoli abre de ofício inquérito das fake News e, sem sorteio, entrega a relatoria ao colega Alexandre de Moraes.
- Começa a Vaza Jato com revelações de conversas entre o juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato.
- Crise ambiental da Amazônia e vazamento de petróleo em alto mar chega ao litoral do Nordeste.
- STF “revisita” decisão anterior sobre prisão após condenação em 2ª instância e Lula sai da prisão.
- Ano de 2020
- Torna-se mais nítido o antagonismo entre os grupos da imprensa tradicional e o governo Bolsonaro.
- COVID 19 chega ao Brasil.
- Crescem tensões entre Executivo, STF e o Legislativo.
- STF amplia competências de Estados e municípios sobre isolamento social durante a pandemia.
- STF impede nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, em vista de suas relações com o presidente da República.
- Sem produzir o efeito esperado, o STF requisita e divulga vídeo de reunião ministerial sobre interferências do Supremo em atividades e pautas do governo.
- STF proíbe operações policiais em favelas durante a pandemia.
- STF determina que as plataformas das redes sociais promovam a remoção de conteúdos considerados falsos sobre vacinas e tratamento precoce com ênfase à cloroquina.
- Governo Bolsonaro se aproxima do Centrão para garantir governabilidade.
- Ano 2021
- Artur Lira e Rodrigo Pacheco assumem as presidências da Câmara e do Senado.
- Câmara autoriza prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira determinada pelo STF.
- STF confirma anulação das condenações de Lula na Lava Jato, devolvendo-lhe os direitos políticos.
- Governo divulga mais de uma centena de interferências do Supremo em atos e ações do governo.
- Senador Randolfe Rodrigues atua como agente provocador dessas ações, envolvendo meio ambiente, pandemia, vacinas, educação, auxílio emergencial, oxigênio e apoio logístico para o Amazonas, tratamento precoce da COVID, etc.
- STF amplia seu protagonismo político, tornando-se o centro nervoso do noticiário nacional, com cobertura dos grandes meios de comunicação e antagonismo das redes sociais.
- Governo convoca a gigantesca manifestação do dia 7 de setembro, na qual Bolsonaro faz discurso atacando ministro do Supremo; dias depois volta atrás e se desculpa.
- Ministro Luís Roberto Barroso vai ao Congresso pressionar contra a adoção do voto impresso.
- Bolsonaro se filia ao PL e estrutura sua campanha à reeleição com apoio do Centrão.
- Candidatos apoiados por Bolsonaro têm desempenho fraco nas capitais.
- Partidos do centrão obtêm melhores resultados nas eleições municipais.
- Ano de 2022
- Campanhas eleitorais começam a se articular.
- Bolsonaro intensifica críticas ao STF e ao TSE, questionando a confiabilidade das urnas eletrônicas.
- Lula consolida alianças partidárias para a candidatura presidencial.
- Alckmin deixa o PSDB e se aproxima do PT, sendo anunciado como provável vice de Lula.
- Bolsonaro se filia ao PL e estrutura sua campanha à reeleição com apoio do Centrão.
- Ministro Fachin se reúne no TSE com embaixadores para afirmar a confiabilidade das urnas eletrônicas.
- STF mantém investigações sobre fake news e ataques à democracia.
- Bolsonaro convida embaixadores para expor a eles sua própria posição a respeito do sistema eletrônico de votação (ato que lhe custou posterior condenação e inelegibilidade determinada pelo TSE).
- Campanha eleitoral transcorre com redobradas queixas do bloco governista sobre atuação do TSE comandado pelo ministro Alexandre de Moraes.
- Pressões do TSE sobre plataformas, proibição de temas e vocábulos, desmonetizações, fechamento de páginas e canais, redução da propagação pelas redes sociais; sanções a Brasil Paralelo, Jovem Pan, Oeste Sem Filtro, Terça Livre, etc.
- Lula é eleito presidente com 50,9% contra 49,1% de Bolsonaro, a eleição mais acirrada da história.
- Ministro Luís Roberto Barroso interpelado por um cidadão em Nova Iorque, responde: “Perdeu Mané. Não amola”.
- Presidente do TSE, Alexandre de Moraes, é ovacionado durante cerimônia de diplomação de Lula e ouve o ministro Benedito Gonçalves sussurrar: “Missão dada, missão cumprida”.
- Tumulto e depredação após diplomação de Lula diante da sede da Polícia Federal pela prisão do cacique Xavante Serere.
- Iniciam protestos em frente aos quarteis; Bolsonaro entra em regime de silêncio, pede a caminhoneiros que retomem atividades e viaja para os Estados Unidos.
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