por Gaudêncio Torquato COM O BLOG DO NOBLAT O GLOBO
Alimentar a polaridade entre petistas e os outros é apressar o declínio de um partido que foi criado para resgatar a esperança
No espectro partidário, a cor vermelha é associada ao PT e aos satélites
que o circundam: CUT, MST, MTS etc. Com um destaque: a estrela vermelha
de cinco pontas é o carro chefe da estética petista. Maior símbolo do
comunismo, seu significado abriga a representação dos dedos do
trabalhador e, ainda, os cinco continentes do mundo que “poderiam” ser
avermelhados. Marx e Engels usavam a estrela vermelha como símbolo do
comunismo, enquanto a então União Soviética a adotou, ao lado da foice e
do martelo, como representação do partido comunista.
Fundado em 1980, o PT repudiou, no primeiro momento, a social democracia
e sua cor, considerando-a inepta para vencer o “capitalismo
imperialista”. Lula esbanjava carisma e podia se dar ao luxo de dizer
qualquer coisa, mesmo maltratando a língua portuguesa. Ganhava manchetes
e açodava adversários. O Partido dos Trabalhadores passou bom tempo,
mesmo após a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento do edifício
comunista, cultivando a velha utopia, até aceitar, não sem resistências
internas, a realidade imposta por novos paradigmas.
O mundo deu uma guinada ideológica, integrando escopos do reformismo
democrático, do realismo econômico e dos avanços do capitalismo. Sob
esse pano de fundo, o PT produziu, em junho de 2002, a “Carta ao Povo
Brasileiro”, peça-chave para a vitória de Lula, pavimentando, assim, sua
entrada no território social democrata.
O documento foi decisivo no processo de descarte de dogmas que não
resistiram aos ventos da modernidade. A revolução marxista permanece
viva apenas no campo da literatura. O socialismo utópico evaporou-se nos
ares da abstração. As ideologias cederam lugar aos ismos da atualidade:
pragmatismo, capitalismo (mesmo sob um Estado controlador), liberalismo
social, democracia direta. Os modelos alternativos, de economias
assentadas na solidariedade, deram lugar a programas reformistas,
voltados para atender a demandas pontuais e urgentes. As autonomias
nacionais passam a se impregnar de ares globalizados. O crescimento
desordenado e a qualquer preço é, hoje, balizado por metas de inflação.
Os programas de privatização, tão combatidos pelo PT, hoje integram sua
pauta de prioridades.
O nacionalismo, bandeira recorrente na América Latina, abriu espaço para
ingresso de capitais internacionais. Gastos a fundo perdido são, agora,
regrados por normas de responsabilidade fiscal.
Sob essa moldura, emerge o paradoxo: o PT, erguido sob a bandeira
vermelha e ostentando a estrela de cinco pontas- comercializada em suas
lojinhas como broches e abotoaduras -, continua a pregar a luta de
classes e a fomentar a divisão do Brasil. Os espaços são por ele
marcados: “Nós e Eles”. Paramentado com as vestes da modernidade e
circulando para cima e para baixo em avançados meios de transportes
(vale lembrar José Mujica, ex-presidente do Uruguai dirigindo um velho
fusca azul em seu sítio nos arredores de Montevidéu), Lula continua a
disparar sua metralhadora verbal contra as elites, ameaçando colocar o
“exército de Stédile” nas ruas para defender o “socialismo do PT”. Qual é
a estratégia de Luiz Inácio? Dar estocadas, na crença de que a melhor
defesa é o ataque.
Nesse ponto, vale fazer a indagação das ruas? Qual é a do Lula? Exibe
disposição e cuidado com a saúde, mostrando os músculos numa academia
de esportes; dá dicas para a presidente Dilma; mantém-se afastado da
polêmica em torno do maior escândalo ocorrido no país, cujo epicentro
envolve o partido da estrela vermelha; faz reuniões com as cúpulas
partidárias e, amiúde, jorra os pronomes: “nós e eles”. Urge reconhecer
os benefícios que o ex-metalúrgico, na condição de presidente da
República, fez ao país, com o amplo programa de redistribuição de renda,
cujo resultado foi a inserção de 30 milhões de brasileiros na classe C.
Mas o colchão social do lulismo não pode encobrir a maldade que o
ex-presidente perpetra ao continuar instigando a animosidade social.
Até parece que ele se esforça para forjar um appartheid.
O ódio destilado contra os petistas e os impropérios que estes
expressam contra adversários têm muito a ver com o dicionário de Lula. A
estética urbana se veste da cor verde-amarelo para enfrentar os grupos
que ostentam a cor vermelha. A querela cromática se estende por todas as
regiões e as inevitáveis associações agitam os sistemas cognitivos. De
um lado, uma cor conotando “a revolução socialista”, às vezes sob o
império da desordem e da devastação de patrimônios; de outro lado, outra
cor apontando para o civismo pátrio.
O instinto de Lula, é o que se infere, já não é tão apurado. Será que
ele não enxerga o crescimento da onda contra o PT e seu cromatismo?
Alimentar a polaridade entre petistas e os outros é apressar o declínio
de um partido que foi criado para resgatar a esperança. Lula, lá?
Difícil imaginar Lula voltando ao Planalto Central. Lula, cá, no seu
sítio Los Fubangos, comendo coelho, é algo mais provável. "Não
cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque outras são as águas que correm;
nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”, diz Heráclito de Éfeso.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014





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