Fernando Henrique Cardoso O ESTADO DE SÃO PAULO
Eu preferiria não voltar ao tema arquibatido das crises que nos
alcançaram. Mas é difícil. Vira e mexe, elas atingem o bolso e a alma
das pessoas. Na última semana o início de recessão repercutiu fortemente
sobre a taxa de desemprego. Considerando apenas as seis principais
metrópoles, ela atingiu 6,2%, a maior taxa desde 2001. A Petrobrás, ao
tentar virar uma página de sua história recente, pôs em evidência que o
"propinoduto", enorme (R$ 6 bilhões), é incomparavelmente menor do que o
"asnoduto", dos projetos megalômanos e mal feitos: R$ 40 bilhões. São
cifras casadas, pois quanto piores ou mais incompletos os projetos de
obras, mais fácil se torna aumentar seu custo e desviar o dinheiro para
fins pessoais ou partidários.
O setor elétrico foi vítima de males semelhantes (só à Petrobrás as
"pedaladas" da Eletrobrás custaram R$ 4,5 bilhões). E não é o único
setor em que os desmandos se vêm tornando públicos. Se algum dia se
abrirem as contas da Caixa Econômica, vai-se ver que o FGTS dos
trabalhadores deu funding para uma instituição bancária pública fazer
empréstimos de salvamento a empreendimentos privados quebrados. No caso
do BNDES, a despeito da competência de seus funcionários, emprestou-se
muito dinheiro a empresas de solvabilidade discutível, também com
recursos do FAT, ou seja, dos trabalhadores (ou dos contribuintes),
oriundos do Tesouro.
No afã de "acelerar o crescimento" usando o governo como principal
incentivo, as contas públicas passaram a sofrer déficits crescentes.
Pior, dada a conjuntura internacional negativa e o pouco avanço da
produtividade nacional, também as contas externas apresentam índices
negativos preocupantes quando comparados com o PIB brasileiro (cerca de
4%, com viés de alta). Pressionado pelas circunstâncias o governo atual
teve de entregar o comando econômico a quem pensa diferente dos
festejados (pelos círculos petistas e adjacentes) autores da "nova
matriz econômica". Esta teria descoberto a fórmula mágica da
prosperidade: mais crédito e mais consumo. O investimento, ora, é
consequência do consumo... Sem que se precisasse prestar atenção às
condições de credibilidade das políticas econômicas.
As consequências estão à vista: chegou a hora de apertar os cintos. Como
qualquer governo responsável - antes se diria, erroneamente, neoliberal
-, o atual começou a cortar despesas e a restringir o crédito. Há menos
recursos para empréstimos, mais obras paradas, maior desemprego, e
assim vamos numa espiral de agruras, fruto da correção dos desacertos do
passado recente. Para datar: essa espiral de enganos começou a partir
dos dois últimos anos do governo Lula. Agora, na hora de a onça beber
água, embora sem reconhecer os desatinos, volta-se ao bom senso. Mas,
cuidado, é preciso que haja senso. Ajuste fiscal às cegas, sem confiança
no governo, sem horizontes de crescimento e, pois, com baixo
investimento é como operação sem anestesia. Pior: política econômica
requer dosagem e nem sempre os bons técnicos avaliam bem a saúde geral
do País. Também o cavalo do inglês aprendeu a não comer, só que morreu.
Não quero ser pessimista. Mas o que mais falta faz neste momento é
liderança. Gente em quem a gente creia, que não só aponte os caminhos de
saída, mas comece a percorrê-los. Não estou insinuando que sem
impeachment não há solução. Nem dizendo o contrário, que impeachment é
golpe. Estou apenas alertando que as lideranças brasileiras (e escrevo
no plural) precisam dar-se conta de que desta vez os desarranjos (não só
no plano econômico, mas no político também) foram longe demais.
Reerguer o País requer primeiro passar a limpo os erros. Não haverá
milagre econômico sem transformação política. Esta começa pelo
aprofundamento da Operação Lava Jato, para deixar claro por que o País
chegou aonde chegou. Não dispensa, contudo, profundas reformas
políticas.
Não foram os funcionários da Petrobrás os responsáveis pela roubalheira
(embora alguns nela estivessem implicados). Nenhuma diretoria se mantém
sem o beneplácito dos governos, muito menos o dinheirão todo que escapou
pelo ralo foi apropriado apenas por indivíduos. Houve mais do que
apadrinhamento político, construiu-se uma rede de corrupção para
sustentar o poder e seus agentes (pessoas e partidos). Não adianta a
presidente dizer que tudo agora está no lugar certo na Petrobrás. É
preciso avançar nas investigações, mostrar a trama política corrupta e
incompetente. Não foi só a Petrobrás que foi roubada, o País foi iludido
com sonhos de grandeza nacional enquanto a roubalheira corria solta na
principal companhia estatal do País.
Quase tudo o que foi feito nos últimos quatro mandatos foi anunciado
como o "nunca antes feito neste país". É verdade, nunca mesmo se errou
tanto em nome do desenvolvimento nacional e jamais se roubou tanto sob a
proteção desse manto encantado. Embora os diretores da Petrobrás
diretamente envolvidos na roubalheira devam ser punidos, não foram eles
os responsáveis maiores. Quem enganou o Brasil foi o lulopetismo. Lula
mesmo encharcou as mãos de petróleo como arauto da falsa
autossuficiência. E agora, José? Não há culpabilidade política? Vai-se
apelar aos "exércitos do MST" para encobrir a verdade?
É por isso que tenho dito que impeachment é uma medida prevista pela
Constituição, pela qual não há que torcer nem distorcer: havendo
culpabilidade, que se puna. Mas a raiz dos desmandos foi plantada antes
da eleição da atual presidente. Vem do governo de seu antecessor e
padrinho político. O que já se sabe sobre o petrolão é suficientemente
grave para que a sociedade repudie as forças e lideranças políticas que
teceram a trama da qual o escândalo faz parte. Mas é preciso que a
Justiça não se detenha antes que tudo seja posto às claras. Só assim
será possível resgatar os nossos mais genuínos sentimentos de confiança
no Brasil e no seu futuro.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014





0 comments:
Postar um comentário