por Flávio Gordon Um advogado impedido de falar, um relator que ou mente ou decide sem ler, um presidente que reage a argumentos com cassetete instituciona
O que se viu nesta segunda-feira, 9 de dezembro de 2025, na continuidade do julgamento da Ação Penal 2.693 — a peça acusatória que pretende enquadrar Jair Bolsonaro e exintegrantes de seu governo como autores de uma suposta “tentativa de golpe” — foi mais um capítulo na lenta degradação das formas legais no Brasil. Um episódio que, pela coreografia e pelo propósito, lembra cada vez mais os show trials (“julgamentosespetáculo”) da velha Rússia soviética.
O advogado de Filipe G. Martins, Jeffrey Chiquini, dirigiu-se à tribuna para fazer uma questão de ordem: pedia que o relator Alexandre de Moraes reconsiderasse a decisão arbitrária que havia proibido a defesa de exibir dois slides em sua sustentação oral. Um dos slides reproduzia uma tese jurídica antes defendida por Cristiano Zanin — hoje juiz da causa, então advogado de Lula no caso Zelotes — contra o uso de minutas apócrifas pela acusação. A defesa apenas pretendia lembrar ao tribunal a doutrina que o próprio magistrado já consagrara.
A resposta de Moraes foi a de sempre: seca, ríspida, autoritária, com aquele sotaque típico de quem confunde função jurisdicional com big stick (“cassetete institucional”). “Impertinente”, sentenciou. “Se fossem importantes, estariam nos autos.” O detalhe, evidentemente, é que estavam. Nas páginas 268 a 271 das alegações finais. Chiquini tentou demonstrar o óbvio — ou seja, a verdade documental —. mas foi prontamente silenciado pelo presidente do julgamento, o orgulhoso comunista Flávio Dino, que, cumprindo seu papel de bedel do regime, ordenou à sua polícia política que arrancasse o advogado da tribuna.
Eis o retrato: um advogado impedido de falar, um relator que ou mente ou decide sem ler, um presidente que reage a argumentos com cassetete institucional. Quem observa a cena e ainda acredita estar diante de um tribunal, e não de um aparato de exceção, precisa urgentemente reler os capítulos mais sombrios da história do Direito.
Sim, a analogia é inevitável. Trata-se da velha tradição dos julgamentos-espetáculo do bolchevismo, cuja finalidade nunca foi apurar a verdade, mas demonstrar a força do Estado contra os inimigos políticos escolhidos pelo Partido. No início do século 20, ainda sob Lenin, estabeleceu-se o princípio de que a legalidade revolucionária não devia fidelidade à lei, mas à revolução. O bolchevismo inaugurou um regime em que o juiz não julgava, mas executava — isto é, cumpria o desejo político do Partido sob a máscara da técnica jurídica.
O julgamento dos Socialistas Revolucionários, em 1922, foi paradigmático. Não havia ali investigação, contraditório ou provas: havia um roteiro. Réus previamente escolhidos, narrativas previamente escritas, e a plateia convocada para testemunhar o triunfo do Estado sobre seus “inimigos”. O processo deixou de ser um meio para apurar fatos e tornou-se instrumento pedagógico — uma aula pública de submissão.
Stalin levou essa lógica à sua forma mais pura. Shakhty (1928), MetroVickers (1933) e os grandes julgamentos de Moscou (1936-38) consolidaram a gramática definitiva do show trial: acusação fabricada, confissão obtida por coação e juiz convertido em executor de sentenças pré-escritas. Nesses julgamentos, como observa Robert Conquest, o processo penal virou teatro — mas um teatro letal, em que os atores saíam do palco direto para o porão da Lubianka.
A toga se converteu em instrumento de perseguição política e terror simbólico.
Não é preciso grande esforço intelectual para perceber semelhanças estruturais com o que vemos hoje no Brasil. Há diferenças de grau, sem dúvida — mas não de natureza. Quando um tribunal censura provas, impede a defesa de falar, distorce o que está nos autos e cria, antes do julgamento, uma narrativa oficial que todos devem acatar, não estamos diante de “erros processuais”. Estamos testemunhando a substituição do processo penal por um instrumento narrativo — exatamente o que faziam os tribunais revolucionários soviéticos.
O mecanismo brasileiro opera com uma lógica semelhante: fabricar a percepção pública de que há um complô antidemocrático, atribuí-lo a opositores do regime, censurar discordâncias e produzir decisões judiciais que reforcem a narrativa prévia. É uma dinâmica de retroalimentação: a narrativa justifica a decisão, e a decisão legitima a narrativa. O direito deixa de ser um limite ao poder e se converte em sua extensão.
Vê-se, portanto, que a essência dos show trials não está na violência explícita, mas no controle absoluto do processo: quem acusa, quem julga, o que pode ser dito, o que deve ser calado. A defesa existe apenas para ser humilhada. A verdade é irrelevante. E o veredito, conhecido de antemão.
É precisamente essa lógica que hoje se insinua nos tribunais brasileiros. Quando o relator de um processo político impede a defesa de apresentar argumentos doutrinários; quando o presidente da Corte expulsa um advogado por apontar fatos constantes dos autos; quando decisões são tomadas sem leitura prévia das peças defensivas; quando o réu é tratado não como cidadão, mas como inimigo nacional — então estamos diante de algo que já não pertence ao Estado de Direito, mas à tradição dos tribunais de exceção.
O Brasil ingressou numa era em que, pouco a pouco, e com aplauso de boa parte das nossas elites, a toga se converteu em instrumento de perseguição política e terror simbólico. E, como mostram as lições da história soviética, nada é mais perigoso do que um Judiciário que abandona o Direito para dele se servir em vista de um projeto de poder.
Flávio Gortdon -0 Revista Oeste
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