Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O Brasil precisa saber que só as ruas esvaziam palácios

 VALENTINA DE BOTAS

Trabalho numa pequena editora no centro da cidade. O prédio, antigo e simples, tem salas com sacada; divido a minha com duas colegas queridas e a lembrança ainda doída da minha assistente assassinada. Passamos o dia a contemplar palavras e desconfio que elas também contemplam aquelas três mulheres discutindo pronomes, conjunções e, no meio de tudo, flagrando crepúsculos entre as árvores da Praça da República e o caos autocontrolado de uma São Paulo aviltada por essa, digamos, administração.

Na tarde desta sexta-feira, manifestantes pró-ladrão que não precisam trabalhar atrapalharam quem precisa: com megafones bradavam no meio da Praça, numa língua parecida com o português, que “a presidenta não cometeu qualquer crime”. Realmente não qualquer crime, mas crimes específicos, atesta o TCU. Ah, mas o que é a Lei de Responsabilidade Fiscal frente aos programas sociais? Uma lei, oras, que na tradução para lulopetistas é aquela picuinha burguesa cujo descumprimento manda o adversário para cadeia e, ao panteão dos heróis do povo brasileiro, um aliado.
No Baú de Presidentes desta coluna, Tancredo Neves avisou que “não aceito o entendimento a qualquer preço, a conciliação só pode ser feita em torno de princípios”, quanto à candidatura dele na primeira eleição de um civil para a presidência desde 1964. A frase pode ser o epitáfio de um tempo que, nem mal havido, 30 anos depois é extinto na conciliação em proveito de um projeto asqueroso de poder perene.
Naquele 1985, o princípio-fim para um recomeço era a redemocratização. Quando Collor sofreu o impeachment por crimes leves comparados aos de Dilma, a saúde das instituições foi provada; em 1992, a conciliação salvaguardava o estado de direito. Em 13 anos de lulopetismo, somente nas eleições a oposição oficial ofereceu algum combate ao governo para, em seguida, voltar à zona de conforto e o governo, ao conforto da zona.
Até que Eduardo Cunha, apenas jogando o jogo político que o PT atrofiou no poder enquanto hiperatrofiava a chantagem, apavorou o governo e se constituiu na única figura poderosa com quem a súcia não queria conversa. Pois bastou a Procuradoria Geral da República revelar em Cunha o que esconde em Dilma para que ele se qualificasse como interlocutor da súcia. Eis a conciliação em torno do princípio mais miserável entre os canalhas – o de se protegerem do que são.
Essa combinação é facilitada desde por figuras patéticas, como Luciana Lóssio e Luís Inácio Adams, até pelo jogo pesado no STF que volta a respirar por aparelhos lulopetistas, passando pelo vergonhoso jornalismo que pede a renúncia de Cunha poupando Edinho Silva e por intelectuais que, na mesma variante do português e da moral dos desocupados sob soldo lá da Praça, descobrem a obviedade de que “o impeachment deve proteger a democracia, e não a ameaçar” – contrapondo Collor a Dilma, na vigarice segundo a qual a mesma Constituição que o puniu será golpista se a punir.
Até quando o espetáculo de cinismo? No crepúsculo barulhento desta sexta-feira, um amigo respondeu: até a nação descobrir que só as ruas esvaziam palácios. Um beijo






extraídadecolunadeaugustonunesopiniãoveja

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