Ruy Fabiano
Entre
os desserviços que a Era PT presta ao país, está o de tentar mudar sua
história recente. Os heróis da resistência ao regime militar não foram
os que apelaram à luta armada, que nada mais fizeram que fornecer
pretextos para que o ambiente político se tornasse ainda mais espesso e
adverso.
Foram
as lideranças civis desarmadas – entre outros, Tancredo Neves, Ulysses
Guimarães, Paulo Brossard, Sobral Pinto e Raymundo Faoro – que agiram
com desassombro, bom senso e eficácia, pondo fim à ditadura sem disparar
um único tiro.
Com
palavras – e nada mais que palavras -, conseguiram convencer os
próprios governantes da ineficácia do regime que sustentavam e do
desgaste que inevitavelmente recairia sobre as instituições armadas, se
se perpetuassem no poder.
O
papel do PT nesse processo, a partir de 1980, quando surge, é ambíguo,
para dizer o mínimo. Nem é preciso recorrer à denúncia de Ruma Junior,
no livro “Assassinato de Reputações”, de que Lula funcionava como
informante do regime ao tempo em que mobilizava os sindicalistas para
criar um partido. Pouco importa, do ponto de vista prático, se isso
ocorreu.
O
que importa é que o PT se empenhou em frustrar a estratégia das
oposições de formar uma frente única contra o regime. Sabia-se que era
propósito – e isso é fato histórico – do governo militar fragmentar as
oposições para dividir-lhes os votos e vencer as eleições. E a isso o PT
aderiu.
Não
votou em Tancredo Neves no colégio eleitoral, expulsando três
parlamentares seus que ousaram fazê-lo: Airton Soares, José Eudes e Beth
Mendes. Opôs-se na sequência a todos os governos pós-redemocratização,
infernizando-os com seguidos pedidos de CPI. “Quanto mais CPIs, melhor”,
bradava Lula, o mesmo que, no poder, passou a sustentar o contrário.
Não
foi a única contradição. Ao assumir a Presidência da República, o
partido iria aliar-se a lideranças antagônicas, como José Sarney, a quem
Lula chamava de “o grande ladrão do Planalto”, sendo responsável pela
ressurreição de alguns oligarcas que antes combatia, como Jáder Barbalho
e Fernando Collor de Mello, e o próprio Paulo Maluf.
Esse
comportamento, descomprometido com a mais elementar coerência ou senso
ético, bagunça o entendimento da História. A Comissão da Verdade, cuja
contradição básica consiste em tornar juízes os que são parte no que se
está julgando, faz crer que a luta armada foi o ponto alto da
resistência e derrubada do regime e que não cometeu pecado algum, já que
até seus erros, que não são poucos, são atribuídos ao adversário.
Ao
mesmo tempo, transforma a anistia em algo a ser revogado. Nunca antes –
neste e em qualquer país – alguém fez isso. Anistia significa perpétuo
esquecimento – ou não é anistia. Não significa que não se deva saber o
que ocorreu, até porque a História, além de memória, é o grande tribunal
dos erros do passado. Mas a anistia não leva esses erros, por mais
hediondos, para o futuro. Ou, repita-se, não é anistia.
A
democracia brasileira, mais uma vez ameaçada por uma agenda
autoritária, que inclui censura à mídia e aparelhamento ideológico do
Estado (vide decreto 8.243), depende mais uma vez da ação de lideranças
civis desarmadas.
Só
que hoje, diferentemente do que ocorria nos anos 70, ao tempo da
distensão política, promovida pelo general Geisel, não há sociedade
civil organizada. Há sociedade civil aparelhada.
Não
há na OAB um Raymundo Faoro, nem na ABI um Prudente de Moraes Neto (que
representou a entidade dos jornalistas na interlocução com o regime em
prol da redemocratização), nem no Congresso um Ulysses ou Tancredo.
O
atual presidente da OAB, Marcus Vinicius Coelho, que mantém a entidade
em silêncio desde sua posse, integra a lista dos candidatos à vaga de
Joaquim Barbosa ao STF.
Todas
essas instituições converteram-se à categoria de “movimentos sociais” e
seguem a cartilha ideológica em curso. A reação depende hoje da
sociedade civil desorganizada, com protestos aleatórios nas ruas e nas
redes sociais, mas que tem nas próximas eleições a oportunidade de optar
entre seguir em frente ou mudar. A opção não será entre candidatos, mas entre projetos, cujos efeitos hão de determinar o país não do próximo mandato, mas das próximas gerações.
Ruy Fabiano é jornalista





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