TEXTO DE AUTORIA DE *ZÉ MARIA
Até onde vai a criminalização da pobreza?
“Um cidadão está preso por ter guardado na sua bolsa pedaços de galinha que iam para o lixo. E o senador Demóstenes está solto. A este ponto chegamos”
A Folha de São Paulo estampou em sua primeira página, dias
atrás, a foto de uma menina, Júlia Rafaela, de apenas 7 anos. A foto
ilustrava a reportagem que tratava do despejo efetuado pela Polícia
Militar, a pedido da prefeitura, que desalojara a família da pequena
Júlia, e dezenas de outras, de um hotel abandonado que tinham ocupado.
Júlia não estava conseguindo ir à escola pela situação em que ficara sua
família e as demais, dormindo em barracas numa calçada do centro da
cidade, exposta ao frio do inverno paulistano. O hotel? Ora, continua
abandonado, mas para a prefeitura e para a especulação imobiliária é
melhor assim, vazio, do que abrigando famílias que não têm onde morar.
Cenas como essas deveriam nos fazer a todos nós, seres humanos,
refletir acerca da natureza da sociedade em que vivemos. Trata-se de uma
injustiça tão flagrante que é difícil crer que seja vista e tida como
situação normal, e ainda por cima, protegida por lei. Qual o crime que a
família de Júlia Rafaela e as demais cometeram para serem tratadas com
tamanha brutalidade pelo Estado? Estavam lutando pelo direito a moradia.
Mas isto não é direito de todos garantido na Constituição Federal?
Porque então a polícia não interpela as autoridades que deveriam
assegurar a estas famílias o direito a moradia, ao invés de despejá-las
na rua, ao relento?
Se olharmos em volta, vamos ver que este caso não é isolado. Pelo
contrário, trata-se cada vez mais de uma rotina dura e cruel, de
criminalização da pobreza em nosso país. E isso não se dá apenas através
dos despejos que, atendendo aos interesses da especulação imobiliária
ou dos grandes eventos (Copa, Olimpíadas, etc), são cada vez mais comuns
e violentos. Para não me alongar, cito apenas dois outros exemplos.
Alguns meses atrás, os noticiários da grande mídia foram tomados pela
revolta dos operários da construção pesada que trabalham nas obras das
usinas de Jirau e Santo Antonio, em Rondônia. Foram semanas inteiras de
paralisação das obras, e de intensa mobilização dos operários. Os
barracões onde estes trabalhadores eram amontoados como bichos pelas
empresas, a título de alojamento, foram incendiados. A despeito de o
Ministério Público do Trabalho e de Auditores Fiscais do Ministério do
Trabalho terem constatado no local um ambiente de total desrespeito aos
direitos mais básicos dos trabalhadores por parte das empresas, quem foi
chamado para resolver o problema foi a polícia.
Operários que se revoltaram entre outras coisas porque eram agredidos
fisicamente pela segurança das empresas, foram então espancados pela
polícia. Muitos trabalhadores estão desaparecidos até hoje, vários
presos, pelo menos 12 deles processados criminalmente, e há dois
operários presos até hoje no presídio de Urso Branco em Rondônia. O
crime que cometeram? Lutar para serem tratados como seres humanos,
trabalhadores, e não como escravos.
O descumprimento dos direitos trabalhistas e humanos dos
trabalhadores que vinha sendo praticado pelas empresas, por outro lado,
segue livre leve e solto. E por incrível que possa parecer, depois de
tudo que ocorreu, as autoridades estaduais e federais não tomaram a
decisão de instalar na região, ou dentro da obra mesmo, uma delegacia do
Ministério do Trabalho para fiscalizar e garantir o cumprimento por
parte das empresas de suas obrigações para com os operários. Foi
instalada, e está em pleno funcionamento, uma delegacia de polícia para
vigiar e reprimir os trabalhadores. Não, não estamos falando de algo
ocorrido no início do século passado, antes ainda da vigência da CLT.
Estamos falando de algo que está acontecendo em 2012, sob governo do PT.
Deixemos a região Norte, e vamos ao Centro Sul, mais precisamente no
Rio de Janeiro, onde está o outro exemplo que ilustra bem o assunto em
pauta. No Rio, mais precisamente dentro da UFRJ, maior universidade
federal do país, está instalado o Cenpes – Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Petrobras, lugar de excelência científica, digno do
chamado primeiro mundo. Pois bem, dentro deste Centro de pesquisa há um
restaurante que, por sua vez conta com trabalhadores terceirizados que
são encarregados da limpeza. Dias atrás, o chefe encarregado do local
resolveu submeter os trabalhadores da limpeza a uma revista no momento
em que deixavam o local de trabalho, no término de sua jornada.
Encontraram-se restos de comida nas mochilas de três trabalhadores.
Restos de comida que seriam jogadas fora, pois eram sobra do almoço
servido mais cedo.
A polícia foi chamada e os três foram presos. Acusação? Roubo.
Corre-corre, desespero das famílias, consegue-se pagar a fiança e os
três são libertados. Passados alguns dias, como os três trabalhadores –
por falta de condições e de esclarecimento – não cumpriram os
procedimentos legais previstos em lei para a situação em que se
encontravam, nova ordem de prisão. Dois conseguem refugiar-se, mas um
deles é novamente preso. Está neste momento na penitenciária de Bangu.
Seu crime? Pegar alguns pedaços de galinha, que seriam atirados no lixo,
para levar para casa, para alimentar sua família. Este cidadão está na
cadeia, na cidade maravilhosa, enquanto o ex-senador Demostenes Torres
exerce garbosamente seu cargo de “promotor de justiça”, em Goiás.
A este ponto chegamos. Até onde mais?
* Presidente nacional do PSTU





0 comments:
Postar um comentário